23 dezembro 2010

Esse feijão tá cheiroso


"Mãe eu lembro tanto a nossa casa
As coisas que falou quando eu saí
"

Coisa de um ano atrás, foram embora de maneira brusca e num curto intervalo duas das pessoas mais importantes, minha tia e meu avô, ambos fontes abundantes e perenes daqueles ensinamentos que a gente guarda no compartimento do caráter.

Meu avô, Teruo, veio ao Brasil no começo do século, deixando sua terra por conta de uma política governamental japonesa que não assistia famílias com certo número de filhos. Salvando seus irmãos da miséria, o velho tomou um navio e despencou por essas bandas para trabalhar na lavoura. Chegando com uma mão na frente e outra atrás, fincou seus alicerces de mansinho e à base de muito suor. Recebeu dos brasileiros um nome que resume bem sua trajetória, e nas feiras onde batia ponto todo santo dia era chamado de Jorge.

Teruo - ou Jorge - teve minha mãe, meu tio e a Terezinha, assim, no diminutivo. Dizia o velho tratar-se de homenagem a uma professora que ajudou muito a família. Minha tia, apesar do inha no nome, era uma gigante. Dos três irmãos, foi a que mais se deu bem na vida, em todos os aspectos. Não casou, não teve filhos e, ainda que tenha se dedicado a cuidar dos pais desde que sobrou na casa dos velhos, não partiu passando vontade e conseguiu tempo para ser a segunda figura materna de todos os cinco sobrinhos.

Outro dia, numa dessas lembranças que a morte impõe, me dei conta de um dos meus elos com os dois: o feijão inimaginável que só eles sabiam fazer. O troço tinha um caldo espesso, quase caramelizado, e a sustância era corroborada pelos nacos de bacon e calabresa que boiavam junto da turma de grãos tipo carioquinha, sempre macios. Nunca (e não é exagero) comi algo que chegasse aos pés daquele feijão.

Pode parecer injusto para caralho que a receita desse divino rango esteja enterrada naquela cova pouco merecedora dos três. Mas percebi que, mesmo a sete palmos do chão, o cheiro do feijão segue adiante, porque o importante é manter a boa essência daquilo que ficou para trás dentro do nosso peito. Eis um bom balanço para o ano que acaba.

Até 2011.

2 comentários:

evao do caminhao disse...

Na hora lembrei do livro que vc me deu... as comidas não alimentam apenas o corpo, muitas vezes nos nutrem a alma!

No 1º parágrafo aparece: "Minha tia Teresa, que foi se transformando em anjo e quando morreu tinha embriões de asas nos ombros, está para sempre ligada ao cheiro de pastilhas de violeta." A sua cheira feijãozim!


"É uma pena que Neruda não tenha uma ode"... ao feijão da Teredinha!


"O odor da cozinha invadiu-o como uma carícia."


"Cada vez que necessitava recuperar as certezas da infância, reconstruía na memória os detalhes precisos desse aposento (cozinha), símbolo da presença totalitária do amor."

Jazy disse...

O Mano Du deseja um feliz natal,pra familia japa,e um bom ano novo,valeu!