14 novembro 2008

O dia em que eu vi o morto


Hoje eu vi meu pai, e há tempos venho prometendo por aqui que iria falar da desgastada relação que culminou no afastamento definitivo entre a gente. Antes de mais nada, é necessário dizer que tenho plena consciência de que um camarada sem o pai como modelo está sujeito a uma série de complicações e de desvios de caráter. E agora uso o blogue como um divã. Quem não se sentir à vontade, pode pular o post, mas eu juro que há um propósito.

O caso é que resolvi matar meu pai dentro de mim. Fiz isso para conservar a imagem que tinha dele antes de uma série de presepadas (obviamente não irei contá-las aqui), com ápice no dia em que passei a receber comunicados judiciais despropositados sobre assuntos acordados previamente, com base na palavra. Matei-o, aliás, exatamente por isso: se um pai não crê na palavra empenhada pelo próprio filho, meu Deus, onde estamos?

A auto-preservação foi extremamente importante para que tudo aquilo que um dia o velho me ensinou não se perdesse por conta de um acesso de raiva justificável. A coisa pode até ser vista como um revanchismo relacionado à separação da minha mãe, mas não é o caso. O fato é que houve uma reviravolta e os valores do cara se perderam tal qual o amor que ele nutria pelos filhos.

Mesmo enxergando uma possível explicação lógica para esse tipo de guinada egoísta – o pai o abandonou, ainda bebê, ao lado da minha tia e minha avó -, é incompreensível a repetição do erro. Que o ambiente familiar dele não tenha sido flor que se cheire na infância (histórias cabulosas contou minha mãe) e que ele talvez tenha sido manipulado no decorrer do caminho, não foi aceitável ter minha palavra colocada em xeque.

Matei-o para deixar vivo quem me deu o privilégio de nascer corinthiano. Para ter o exemplo de alguém que saiu do nada e, junto da mulher, construiu um belo lar. Para deixar na lembrança aquele rapazote que, ao saber da notícia do filho que vinha por aí, tomou dos primos um banho com um espumante fedorento e riu, riu demais, teve uma das maiores alegrias.

Dizem que os verdadeiros ídolos são tão bons que sabem até mesmo a hora de morrer, e fazem isso ao pressentirem um risco de aprontar qualquer merda. Valho-me aqui de tal premissa. O meu pai em mim é só lembrança. Foi o jeito que encontrei de não sofrer, de não me martirizar e, principalmente, de levar adiante as coisas boas e frear o erro que vinha se repetindo. Aplico isso aos amigos e no amor, como forma de reconhecimento às pessoas que estão no meu caminho. Hoje eu vi o morto, e ele me fez entender que era preciso esclarecer a razão da sua partida.

2 comentários:

  1. às vezes penso na coincidência dessas nossas 2 histórias

    q bom q vc consegue ainda ter boas lembranças

    até essas eu acho q já apaguei

    ah, seu falecido é mesmo um crápula... tornou-te corintiano

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  2. Caríssimo, não me atrevo a dizer nada acerca do tema.

    Mas você mesmo levanta o assunto: te fez Corinthiano.

    Hoje mesmo passei na praça Roberto Gomes Pedrosa. Eram 18h37. Não sei exatamente em que momento daquele jogo (e só sei que teve jogo ali porque os jornais diziam, a tevê me garantia, e o rádio anunciava).
    Um silêncio sepucral.
    "Que silêncio, não tá tendo jogo?", perguntou Pauleca.
    "Isso aqui tá parecendo um cemitério", disse eu.
    "O que é isso aqui?", perguntou Tetê, no alto de sua cadeirinha, olhando para o lado esquerdo.

    "Aqui estão corpos penados", eu disse em tom professoral à minha filha.
    "Existem cemitérios de almas penadas, que vagam sem os seus corpos perdidos.
    Neste cemitério aqui, agora, vagam corpos que não tem Alma
    ".

    Cheguei em casa satisfeito com aquilo, mas imaginando que só poderia ser por causa de uma derrota. Se estivessem ganhando, teria algum barulho ali.

    Não era derrota!
    A turminha do orlandinho ganhou. Disparou na tabela faltando três jogos.
    E o antiestádio parecia, LITERALMENTE, um cemitério de corpos penados...
    Se não fosse assim, haveria OBRIGATORIAMENTE uma festa naquele momento. Não havia nada a não ser um silêncio abissal.
    A minha frase ganhou sentido absoluto sem nem ter tal pretensão.

    Te juro que aqui na Morazan foi ouvido um foguete apenas, quando no Rio o juiz deu por encerrado o jogo.
    Comentei o fato com Paula e cochilei no sofá com minha filhota assistindo desenho.

    Viva o crápula, ele te ajudou a se fazer Corinthiano!

    E VIVA O CORINTHIANS!!!

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