02 fevereiro 2009

Bambas da paulicéia


A três semanas do Carnaval, este espaço irá dedicar alguns textos sobre a festa, e mais especificamente falará do samba paulista. Do baixo do meu parco conhecimento sobre o tema, irei tratar de algumas belas canções que os bambas da paulicéia deixaram de herança. Um legado tão belo quanto o que deixa Odelise Camargo, mais conhecida na Unidos do Peruche como Denise, embaixadora do samba até o dia 31 de janeiro último, data em que nos deixou.

Nessa série de breves textos, serão constantes as citações a Geraldo Filme, Osvaldinho da Cuíca, a Velha Guarda do Camisa Verde e Branco e algumas coisas da minha já mencionada Peruche. Nomes que geralmente ficam restritos aos núcleos em que o samba é cultivado, mas que deveriam ser tão ovacionados quanto o saudoso Adoniran Barbosa. Não é demérito ao João Rubinato, mas sim uma valorização aos ilustres da batucada paulista, cada vez mais esquecidos nessa terra que se empenha em esquecer o próprio Carnaval.

Lembro que o tema também é de profundo interesse pessoal, grande parte dele inaugurado ou retirado das entranhas após a visita a Pirapora do Bom Jesus na Folia de 2007 - repito a viagem neste ano. Ali foi de onde proliferou o chamado samba paulista, de bumbo, campineiro ou caipira, chegando inclusive ao famoso Largo da Banana, primeiro reduto na capital. Por fim, a série será conduzida por algumas músicas que escolhi tendo como única referência meu gosto pessoal, e essas canções ficarão disponibilizadas para download assim que eu conseguir encontrar um servidor para isso. Quem tiver correções, mais informações e sugestões, elas serão muito bem-vindas. O intuito é ampliar o conhecimento sobre esse tão pouco estudado assunto

Começando a coletânea, Geraldo Filme e "Batuque de Pirapora"

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"Eu era menino
mamãe disse vam'embora
Você vai ser batizado
No samba de pirapora

Mamãe fez uma promessa
Para me vestir de anjo
Me vestiu de azul celeste
Na cabeça um arranjo
Ouviu-se a voz do festeiro
No meio da multidão
'menino preto não sai
Aqui nessa procissão'
Mamãe, mulher decidida
Ao santo pediu perdão
Jogou minha asa fora
Me levou pro barracão

Lá no barraco
Tudo era alegria
Nêgo batia na zabumba e
o boi gemia

Iniciado o neguinho
No batuque do terreiro
Samba de piracicaba
Tietê e campineiro
Os bambas da paulicéia
Não consigo esquecer
Fredericão na zabumba
Fazia a terra tremer
Cresci na roda de bamba
No meio da alegria
Eunice puxava o ponto
D.olímpia respondia
Sinhá caía na roda
Gastando a sua sandália
E a poeira levantava
No vento das sete saias"




Ao chegar em Pirapora do Bom Jesus, os versos de Geraldo Filme automaticamente vêm à cabeça. Não é o cheiro do rio Tietê (muito ruim, por sinal) nem a arquitetura da cidade, hoje totalmente desfigurada. Talvez seja a alma e o resquício de energia que deixaram ali os velhos escravos. Antigo pólo religioso - ainda o é, mas perdeu muito em importância no decorrer dos tempos -, Pirapora também foi núcleo de uma intensa produção sambística a partir do começo do século XX.

Havia uma latente separação na cidade. De um lado, os brancos católicos, que iam até a estátua de Bom Jesus pagar promessas e agradecer as graças alcançadas. De outro, os barracões, que foram feitos exatamente para não deixar os negros participarem daquilo tudo. Só que a brancaiada não se contentava em rezar e era seduzida pela melodia dos batuques e dos versos lançados no improviso. Se os negros ficavam com acesso restrito à igreja, os brancos freqüentavam as rodas de samba - dificilmente participavam dos cantos, no entanto, por motivos óbvios - e isso causou um pequeno "problema" para as autoridades eclesiásticas.

Mesmo com a repressão, o samba tomou lugar da reza, e a igreja, que havia construído o barracão para isolar os negros, agora o derrubava. Obra da insanidade e da imbecilidade do homem, este ser tão nocivo à preservação de sua própria história. A partir daquele foco, o samba ainda tentou permanecer vivo e se espalhou para outros lugares, inclusive na capital. Porém, quando se espalha o troço, é provável e fatal o enfraquecimento. Dessa forma, podemos considerar a derrubada do barracão um marco ilustrativo de como a elite paulista iria tratar o samba e todas as manifestações populares dali em diante.

Restou a
Pirapora somente o título que a glorifica como o Berço do Samba Paulista. Deixaram também uma construção que hoje abriga o Espaço Samba Paulista Vivo, que faz homenagem a Honorato Missé, mentor de um dos primeiros grupos de samba de bumbo. Nessa casa, é onde o samba agoniza mas não morre. Grupos como o Vovô da Serra do Japi, sob a tutela de Márcio Risonho, e o Grupo de Samba de Bumbo, liderado pela dona Maria Esther, tentam manter o pouco que restou. Pena que toda essa história, tal qual a música de Geraldo Filme, não faça sentido algum na cabeça da maioria dos moradores da cidade.

8 comentários:

  1. Se quiseres, te ponho em contato com o Airtinho, da Velha Guarda do Camisa - é meu "parente" e amigo desde que sou criança. Ele é gente boa e te apresenta todo mundo até, se vc achar que vale a pena uma entrevista ou algo do gênero.

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  2. O Airtinho seria o grande Airton Santa Maria? Vige!

    É uma boa, e eu até vou fazer um texto sobre o Talismã, outra pérola do Camisa.

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  3. Veja, ele chama Airtinho porque há outro na Velha Guarda, o Airton Santa Maria. Mas você vai adorar o negão: ele é a enciclopédia viva do samba, tem história que não acaba mais.

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  4. Ah bom!

    Só preciso elaborar a pauta, e já utilizarei vossos serviços.

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  5. No entanto, ele é amigão do Santa Maria. Acho que não custa muito armar esse barraco... Agora é o seguinte: no carnaval é que vc não vai achar esses caras, quanto antes melhor.

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  6. Fala, Craudio! O palestrino "Cruz de Savóia", a quem não conheço, é realmente um paulistano nato, daqueles que trocam o L pelo R. Eu mesmo chamo meu amigo Gilmar de "Girmá"!

    O "Airtinho" citado é o Ailtinho.
    Abraço!

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  7. Fala Favela!

    Esse palestrino, diga-se, é um figura. Quando for à Barra Funda, inclusive, quero contar com tua presença, principalmente para melhorar o nível do papo.

    Abraço mano!

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  8. Caro Tirone, é bem verdade. Mas é que já entortei muuuitos canecos com o negão e chamo ele de "Irtinho", simplesmente, quando a língua enrola hehehe

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