14 agosto 2009
Cotovelo no balcão
O melhor jeito de ver o mundo é recostado no balcão. Quarta passada, por exemplo, estive não no buteco, mas numa padaria que fica de frente ao metrô Vila Madalena. Esperava a Evinha para um rolê e, como cheguei meio cedo, desci duas Brahmas geladíssimas durante a hora que fiquei por lá. Reflete-se muito sobre a própria vida olhando a dos outros, e assim o fiz na ocasião.
Minha paz não durou nem dez minutos, quando um gaiato trombou em mim. Bêbado, mas não completamente, tinha a despesa na mão, junto a uma sacola cheia de produtos da própria padaria e o cartão de vale-refeição. Esforcei-me para não o encarar, porque esse tipo de bebum incomoda para um caralho. O esforço foi inútil e meu ouvido acabou penico das indignações proferidas pelo tonel ambulante. Não entendi o que o caboclo falou - devia ser algo muito sério e grave pelo tom da voz -, senão a frase: "pôaa, tem que ser de respeito esses fiadumasputa". Também não encontrei nenhum dos amigos imaginários do cara que, aliviado pelo discurso no púlpito, voltou a beber.
Acabava a primeira Brahma, a novela das 7 idem e algo curioso acontece na mesa à porta do estabelecimento. Recém-chegado, um cliente fez o pedido: Skol e um copo com gelo. Afora situações de desespero, é sabido até pelo mais abstêmio que não se deve colocar cerveja no gelo, ou vice-versa. Trata-se de heresia sem conserto. Fiquei um pouco indignado com o que vi, mas logo me acalmei ao desviar o foco para a cara de bunda do Bonner na TV, noticiando o acordão que encerrou a "crise" dos atos secretos no Senado Federal.
Quando voltava para conferir se a grotesca cena do gelo havia terminado, me assusto com o responsável pela excentricidade rachando o bico da hipocrisia parlamentar ao meu lado. Ímã de maluco que sou, o cara me alugou e supôs que eu fosse psicólogo. Sei que ele é carioca, mas mora em São Paulo há algum tempo, que teve carreira na polícia e agora trabalha no Detran, que sua filha que acabou de completar 18 anos (e que o namorado é um safado, segundo ele por querer comer a menina), que comeu a secretária da sua ex-advogada quando a menina fez os mesmos 18 da filha (e por isso ex-advogada), das festas em que viu figurões da Globo cheirando até pó de giz, de sua irmã que, apesar de morar a poucas quadras dali, não via desde muito tempo, e o porquê do gelo na cerveja - uma pneumonia no currículo criou o costume. A Evinha me salvou, ligando-me justamente na hora em que começavam a surgir as bobagens. Fátima Bernardes mancheteava a volta do Romário ao América/RJ e o sujeito, num surto de paulistanidade, iniciou sua série de impropérios ao Baixinho. De fato, era hora de mudar de assunto...
No intervalo entre a Eva chegar à padoca e o cara me deixar em paz por conta da ligação no celular, vi na calçada meia dúzia de fumantes, numa segregação lamentável que agora passará a ser comum com a nova lei fascista do governador/presidente/economista-formado Serra. Imaginei a improbabilidade dessa situação num caga-sangue da Vila Maria. Os fiscais, a fim de conferir a denúncia de cagüetas desocupados, seriam devidamente expulsos debaixo de porrada -ou até bala - e nunca mais voltariam. Nunca vi por lá o PSIU e ouso dizer que na Tijuca da Cidade Maravilhosa o procedimento seria o mesmo.
Já eram quase nove e a Evinha me ajudava com a segunda Brahma. O bêbado do vale-refeição, dessa feita num estado lamentável, teve os holofotes novamente sobre ele. Como não conseguia parar em pé, foi convidado gentil e educadamente pela assistência a se retirar. Coisa até bonita, pois o canabrava devia ser cliente fervoroso do lugar e os funcionários demonstravam real preocupação com o rentável e lendário freqüentador.
Ao partir, reforcei minha certeza de que não sabe nada da vida quem "evita esses ambientes". Pobres diabos dessa geração-condomínio que está por aí.
mó filme imaginar a sequencia na vida do cara...
ResponderExcluir1.conseguiria chegar em casa e ainda trepar com a esposa?
2. conseguiria chegar em casa e apanharia da esposa?
3. bateria a cabeça no primeiro poste e morreria?
4. entraria no boteco ao lado?
...
poxa, ele só queria a saideira...
agora, o lobo mau eu quero que exploda de hemorróida!
hahahahahahahahaha
ResponderExcluirQue puta crônica, mano!
E não dá mesmo pra confiar nesses moleques de condomínio que vêem o juquinha como "mestre"...
Confio mais num sujeito que cai bêbado, mas tem a salvaguarda do balcão e do balconista. Com toda a certeza. Por pior que seja, o sujeito ainda é mais humano que essa nova geração de plástico...