22 julho 2011

Assumpção de culpa


Fui, despretensiosamente, assistir ao documentário "Daquele instante em diante", uma biografia sobre Itamar Assumpção. Esperava mais do mesmo, algo muito próximo daquele formato batido de entrevistas com amigos falando da genialidade de um gênio e que só servem a fãs ardorosos do retratado. De certeza, somente a descoberta de alguém que nunca teve seu devido valor - eu, por exemplo, só conheço uma música do cara.

A certeza se confirmou, mas de uma maneira muito mais profunda que uma simples viagem ao desconhecido. A produção, apesar de sua linguagem fluida e simples, bate como uma rocha no peito. O mais intrigante de tudo é perceber a quantidade de interpretações que se pode tirar do filme, que vão desde o mero relato da vida de um artista marginalizado até as mais complexas teorias filosóficas que alguém possa criar a partir das provocações estampadas no longa.

Particularmente, sucitaram algumas inquietações. Muito do tal radicalismo - para mim, nada mais é que coerência - de que me acusam eu vi na conduta de Itamar com relação a sua produção. Ele não abria mão de certos valores e, por conta disso, ficou excluído da possibilidade de reconhecimento do público. Ao mesmo tempo, não pude deixar de absorver uma lição desse exílio artístico que lhe impuseram. Inteligente que era, Itamar não poderia ignorar o fato de que suas músicas atonais, sua poesia vanguardista e sua própria figura contestadora eram combustível para a incompreensão da opinião média, bem como tornariam cada vez mais inviável sua sobrevivência mercadológica.

O que nos leva, portanto, ao ponto crucial desse papo todo. O sistema vigente é vil de tal forma a te afastar dele no caso de contestação dos modelos, e paralelamente te força à submissão das regras caso queira pagar as contas. É o tal "me vendi" que, injustamente, corrói de culpa muitas boas pessoas por aí. Minha atual realidade, de grandes fracassos profissionais motivados, em grande parte, pela minha teimosia em fazer as coisas do jeito que acho certo, se encaixaria perfeitamente nisso. No entanto, prefiro cambalear um pouco a fim de usar a regra do jogo para tentar dar uma bicuda no tabuleiro mais para frente. Itamar Assumpção, foi o que me pareceu, havia chegado a essa conclusão e estava rumando nessa nova direção ao final da vida. Talvez tenha feito as coisas da maneira que fez para nos mostrar esse caminho. Quem sabe?

P.S.: como eu disse que há milhares de interpretações, é imprescindível ler o que minha Evinha, muito mais coração que eu, escreveu brilhantemente sobre o filme que vimos juntos.

3 comentários:

  1. "Zeca", pode continuar com seus ideais que eu me preocupo com as contas do dia-a-dia por nós dois.

    Bjos,"Ana"

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  2. salve, cláudio!
    não conhecia este documentario, vou procurar.

    tenho um vinil da denise assumpção cantando músicas do irmão. comprei em santos e o dono do sebo me questionou "esse disco é pra voce? voce sabe quem é ela? sabe quem é o irmão dela?" hahaha

    abraço
    gabriel uchida

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  3. e ai claudio!
    aproveitei minha folga hoje e fui ver este filme na augusta. realmente, muito bom! valeu pela dica. abraço

    gabriel uchida

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