11 setembro 2012

O Ministério que faltava


No começo da gestão Dilma, assumiu a pasta da Cultura a Ana de Hollanda e uma das primeiras de suas medidas foi rifar com a licença Creative Commons do site do Ministério, num sinal do que estaria por vir. Isso deu início a uma série de decisões que freou muitas ações do governo federal no sentido de estimular debates e encaminhar demandas ao Congresso Nacional, principalmente na conturbada questão dos direitos autorais.

Em 2010, fiz uma reportagem sobre o assunto para a revista da UNE, em preparação para o CONEG daquele ano. A pauta pedia um balanço dos trabalhos já realizados e que caminhos o MinC deveria tomar para democratizar o acesso às produções culturais no país.

Algumas respostas estão no texto logo abaixo - repito, foi feito há mais de 2 anos - e é importante destacar a paralisia que a gestão da dona Hollanda significou ao setor. Ao contrário de dar continuidade às iniciativas de Gilberto Gil e Juca Ferreira, a irmã menos talentosa da famosa família se dispôs a trabalhar pelos barões das grandes corporações, que na época começavam a perder força. Hoje, depois do anúncio da demissão de Ana de Hollanda, ares de retomada começam a soprar no Ministério. Entra Marta Suplicy, justamente a responsável pela instalação dos Telecentros em São Paulo e a utilização de software livre na rede. Que o troço siga o ritmo do governo e do país, pois o MinC era, a meu ver, um contra-senso.

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Direito autoral em debate 
Revisão da lei coloca na pauta a necessidade de novos modelos de gestão da propriedade intelectual

Desde 2005, o Ministério da Cultura vem mobilizando o setor de produções culturais do Brasil em torno de um debate polêmico e muito complexo. Ao convocar a I Conferência Nacional de Cultura, o governo federal sinalizou a necessidade de revisar a legislação dos direitos autorais, datada de 1998 e recheada de interpretações dúbias. Por conta dos avanços tecnológicos, a forma de disseminação de informações revolucionou as relações do mercado cultural em nível mundial. Ficou claro, porém, que um dos lados não conseguiu se adaptar às transformações da realidade e a indústria passou a tratar seus consumidores como adversários. 

Ainda na tentativa de amenizar o clima de guerra e estabelecer novas diretrizes, o Minc promoveu em março de 2010 outra rodada de debates na segunda edição da Conferência, dessa vez com mais que o dobro de participação em relação à primeira. Absorvendo as mais diversas sugestões para atualizar a lei nº 9610/98, as conversas resultaram na elaboração do texto final de um Projeto de Lei amplo. Membro da União Brasileira de Escritores e Professor Doutor de Direito Penal da USP, Victor Gabriel Rodríguez faz um esboço do que a nova legislação deveria abranger: “A natureza da oposição entre empresas e consumidores é de todo econômica. Por isso, nem sempre a lei faz chegar a um consenso. O que a nova legislação pode fazer é definir melhor o que deve ser considerado pirataria, tendo em conta a internet, a convergência digital e a facilidade de cópias pelas diversas mídias.”

De fato, as últimas resoluções apresentaram um teor conciliador. Da II Conferência Nacional, saíram 32 propostas prioritárias, entre as quais vale destacar a que sugere “criar dispositivos de atualização da lei de direitos autorais em consonância com os novos modos de fruição e produção cultural que surgiram a partir das novas tecnologias, garantindo o livre acesso a bens culturais compartilhados sem fins econômicos desde que não cause prejuízos ao(s) titular(es) da obra, facilitando o uso de licenças livres e a produção colaborativa”. De acordo com Rafael Pereira Oliveira, Coordenador-Geral de Difusão de Direitos Autorais e Acesso à Cultura do Minc, o objetivo do órgão é estimular novos formatos de negociação. “Nossa proposta explicita salvaguardas (que já constam do código civil) para proteger autores e artistas de práticas abusivas e facilitar a revisão e resolução de contratos, dá maior clareza à obrigatoriedade do editor de divulgar a obra e busca corrigir práticas de mercado danosas aos interesses dos autores. O criador deve ser livre para estabelecer relações com a indústria do jeito que bem entender, mas não pode ficar refém de contratos abusivos que retirem a soberania sobre as suas próprias criações.” 

Trata-se de sugestões bastante audaciosas, principalmente por utilizar termos como licenças livres e autonomia, tão demonizados pelas grandes corporações. A elaboração de um sistema de arrecadação com regras mais claras parece realmente ser o ponto-chave no debate. O jornalista e empresário Eneas Neto fala da dificuldade que é trabalhar regido por uma lei completamente defasada. Criador do site FiberOnline, um dos primeiros a apostar na idéia de compartilhamento ao oferecer espaço de divulgação a novos artistas, Eneas afirma que “tentar achar um consenso entre o que é cópia, uso não-autorizado e criatividade é praticamente um embate sem fim. Com a internet, o acesso à informação e, por consequência, a um farto acervo digital promoveram um verdadeiro caos para quem estava estabelecido sob regras rígidas que as leis de direito autoral imprimem há décadas.” 

Outro ponto que merece bastante atenção é a influência da lei de direitos autorais na Educação. A alta demanda por livros nos cursos universitários e as dificuldades de acesso às obras norteiam as discussões acerca do artigo 46, parágrafo II, um trecho verdadeiramente obscuro da atual legislação. Consta que “não constitui ofensa aos direitos autorais: a reprodução, em um só exemplar de pequenos trechos, para uso privado do copista, desde que feita por este, sem intuito de lucro”, e aí temos a dificuldade em estabelecer o que seria um “pequeno trecho” e quem seria o “copista”. Para isso, o Minc está considerando a sugestão de possibilitar a reprodução de obras esgotadas, sem a finalidade comercial, desde que autorizada pelo autor e devidamente remunerada. 

Um estudo do Gpopai (Grupo de Pesquisa em Políticas Públicas para o Acesso à Informação) da USP quantifica melhor esse problema. O curso de Obstetrícia da universidade, por exemplo, gera um gasto de R$5.810,46 com livros por ano. Ao mesmo tempo, 40,5% dessas obras não são mais encontradas em lojas do ramo. O mesmo Gpopai levantou outro dado alarmante. Cada tese de dissertação da USP recebe um investimento público de cerca de R$155 mil, contrapostos a apenas R$17 mil da verba privada. Curiosamente, muitos desses trabalhos, depois de publicados, ficam sob o controle de editoras e, portanto, indisponíveis para a comunidade acadêmica. 

Seja na música, na produção literária ou em qualquer outro segmento cultural, é quase unanimidade que a nova regulação deve levar em conta uma maior participação, tanto da população em geral quanto dos profissionais envolvidos. Segundo Victor Rodríguez, “o caminho deveria ser a descentralização da interpretação da norma, antes de se chegar ao Poder Judiciário. Uma comissão formada por representantes dos diversos setores da sociedade poderia indicar o que é ou não considerado abuso dos direitos relativos à propriedade intelectual.” Já Eneas Neto ressalta o formato de apresentação como uma maneira de se adaptar à realidade. “O importante é se diferenciar. Não dá para voltar atrás, hoje o download gratuito é a melhor forma de distribuição. Não deve mais ser encarado como receita para gravadoras e artistas.” 

A boa notícia é que o Ministério da Cultura se mostra realmente disposto a direcionar os debates da nova regulação levando em conta a função social dos direitos autorais. Segundo Rafael Pereira, “os que defendem ferrenhamente o direito autoral como um simples direito privado muitas vezes esquecem que isso também serve ao enriquecimento do patrimônio cultural, estimulando a criação, difusão e fruição da nossa produção em toda a sua diversidade.” Para criar essa nova visão sobre o tema, o Minc desenvolve desde 2009 um programa de capacitação na gestão de projetos culturais, com oficinas destinadas a artistas, produtores e autores. Com isso, a esperança do governo é fomentar uma mobilização maciça em torno da consulta pública que será disponibilizada na internet para, enfim, finalizar o texto do Projeto de Lei que será apreciado pelo Congresso Nacional.

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