05 março 2015
Os próximos 100 anos
Ser crítico na adversidade é fácil. Cômodo, até. Há pouco menos de dois meses, o corinthiano era só insatisfação. Pudera: a diretoria vinha fazendo mais do mesmo, subindo o preço dos ingressos, demonstrando total despreparo na condução do clube e mantendo sua política de aberrações alienantes a todo vapor. Só que o time em campo passou a não perder. E o termo "não perder" é usado de maneira proposital, pois assim está consagrado o novo modus operandi desse Corinthians moderno. As vitórias na base do "não perder" escamoteiam uma crise de identidade crescente, gestada quando embarcamos nessa onda de ser aquilo que os outros esperam que a gente seja.
Fazendo isso, o corinthiano revogou sua tarefa, sua missão de contestador, e passou a absorver sem o menor critério todas as idéias de jerico que a anticorinthianada doente propagou por anos ("não tem estádio, só ganha Paulista"). Pior ainda, começou a aceitar a omissão, a falta de respeito com a própria história e, dentro de campo, a covardia. De novo, só para agradar os olhos dos outros.
Quando vejo os jogos do Corinthians dos últimos anos, não me reconheço ali. Há apenas flashes esporádicos daqueles times heróicos que pude ver ou sobre os quais ouvi falar. E não se trata de dar espetáculo ou coisa que o valha, que isso nunca me foi decisivo. O Corinthians, com exceção da década de 1950, da Democracia e da individualidade dos inúmeros craques que estiveram conosco, nunca prezou pela alta técnica em sua história centenária. Só que o Corinthians também nunca prezou pelo medo de ir à luta, pelo medo de atacar para se defender.
Na concepção atual, a essência do Corinthians são números inseridos em planilhas. Os objetivos, também números, são precedidos de cifras. Joga-se e se administra o clube a partir de resultados frios, sem tecido, que seduzem e satisfazem apenas a ânsia pelo acúmulo e pela quantificação em comparação ao outro (que outro, raios?). Vai daí que a premissa do Corinthians jogar pelo seu povo tornou-se coisa ultrapassada. Em mais de 20 anos de arquibancada, foram muitas as ocasiões nas quais saí do estádio de alma lavada após derrotas memoráveis. Notem que não é o placar, é o que está ali dentro. Trata-se da formação do caráter, pois quando se entra em campo, se luta e o resultado é adverso, ainda assim se ganha. Hoje, entretanto, uma derrota é só isso: uma derrota, num nível de limitação que, inclusive, tira o peso da vitória.
O momento pede sensatez. O gol continua sendo comemorado, a vitória continua agradando, mas é muita imprudência perder de vista a razão de tudo isso. Em 1915, não tivemos Corinthians. Fomos vítimas de um golpe dado por certa parcela da sociedade que não suportava (e ainda não suporta) povo e não tinha engolido a surra de dois anos antes no Velódromo. Apesar disso, a postura não foi outra senão partir para cima, ignorando qualquer conseqüência da impetuosidade que sempre nos moveu. Mesmo sem Corinthians, houve Corinthians. Curiosamente, cem anos depois o Corinthians entra em campo duas vezes por semana e quase não há mais Corinthians, numa ausência de nossa inteira responsabilidade.
QUE CORINTHIANS IREMOS DEIXAR PARA AS PRÓXIMAS GERAÇÕES?
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