06 maio 2009

Altruísmo não é salvação particular


No fim do ano passado, o Brasil se comoveu com as terríveis enchentes que atingiram Santa Catarina. Ao ver cidades numa situação calamitosa e a principal via de transporte do Mercosul interrompida, o país se uniu numa imensa campanha solidária e enviou para a região todo o tipo de ajuda que se possa imaginar.

Em 2009, com o fim do verão, quem está passando por sofrimento semelhante é a região Norte. Piauí e Maranhão estão debaixo d’água há várias semanas e suas capitais estão isoladas do mundo. Repito: há um mês chove e há um mês esses Estados se encontram alagados. Por que raios não houve barulho semelhante de mídia e opinião pública, tal qual o que foi feito para os catarinenses?

Essa pergunta me incomoda já faz algum tempo e eu fiquei esperando o engajamento em nível nacional - que não aconteceu - antes de me manifestar, só para não ser chamado de amargo ou psicótico. Mas não é de se estranhar o comportamento desinteressado? A solidariedade, tal qual a mídia burocrática e golpista, só teria olhos ao sul? É fácil ajudar loirinho de olho claro, mas dói ter compaixão com indígenas, caboclos e mulatos? Numa comparação fria, são mais de 600 mil pessoas desabrigadas, contra 50 mil catarinenses. Isso não seria digno de uma mobilização ainda maior?

O altruísmo segregado do brasileiro, na verdade, demonstra que muita gente participa de ações beneficentes não pensando na ajuda pura e límpida, mas sim como uma forma de pagamento social de sua omissão em outras esferas, principalmente política. Quem não se lembra, por exemplo, do babaca do Luciano Huck fazendo escândalo depois de perder seu Rolex e bradando que “ele é um cidadão que paga seus impostos e ajuda entidades assistenciais”. Por conta disso, ele não deveria ser assaltado? O raciocínio vai meio por aí...

Fica explícito que a imagem do “Brasil Leblon” propagado pelas novelas, ou ainda a do “Brasil São Paulo Maravilha” disseminado pela Falha de S.Paulo, foram incorporados de tal forma que tornaram bastante natural o desdém com o Norte/Nordeste. Assim como não suportam um pernambucano operário na presidência, nem flagelados do sertão tendo a oportunidade de comer com o Bolsa-Família, os brasileiros modernos, civilizados e quase-europeus ignoram dilúvios entre o Trópico de Capricórnio e a linha do Equador. A catarse Criança Esperança já basta para massagear a culpa burguesa e salvar a todos no juízo final.

Amém.

Um comentário:

Filipe disse...

Nossa "çoçiedade" é "duente". "Iscrota". Você tem toda razão nesse post.

Aliás, vamos perguntar para esses desabrigados de Teresina qual a imagem que eles têm da Índia? Sim, porque na novela é a "India-Leblon" que aparece...