26 março 2013

A quem interessa desmoralizar os estaduais?


Os primeiros anos da década de 1990, época em que as coisas se resolviam dentro do campo e no grito da arquibancada, foram os derradeiros do futebol de verdade. A transformação aconteceu quando os detentores do capital perceberam no esporte um terreno livre para lavagem de dinheiro e para auto-promoção. Pouco a pouco, foram instituindo valores alheios ao mundo da bola, alienando o torcedor e mostrando que penduricalhos inúteis eram mais valorosos que a luta, a beleza de um gol e o amor por uma camisa.

Tal processo de caráter mercantilista ganhou muita força com o anúncio da Copa assassina, evento que intensificou aberrações como a proibição de xingamentos ou de se assistir a uma partida em pé. Tudo isso, dizem, não condiz com o "espetáculo". Paralelamente, os regionalismos passaram a ser coisas superadas, incoerentes com a globalização e o cosmopolitismo que o sistema capitalista arrota. Antes exaltadas, as peculiaridades de cada Estado da Federação passaram a representar o atraso e a falta de civilidade. Bom mesmo é aquilo que acontece na Europa.

Oras, na Europa é preciso ganhar um campeonato nacional, de preferência por pontos corridos porque é mais justo (agora inventaram que o futebol precisa ser justo). Mas na verdade ele não vale muito, porque o que importa mesmo é conseguir uma vaga para o torneio intercontinental. Que por sua vez, dará "visibilidade" e garantirá "clientes" por todo mundo. Curiosamente, nessa equação estão ausentes fatores que foram a pedra fundamental de toda a história do futebol no Brasil. O Paulistão, a Taça Guanabara e a Taça Rio, o Gauchão, o Campeonato Pernambucano, o Mineiro, o Potiguar e todas as tradicionais disputas regionais não fazem sentido na conta elaborada pelos managers com expertise. Nesses casos, o modus operandi é simples: ignoremos o que não conseguimos entender.

É notável que, nesse caminho todo, ninguém parou para perguntar ao torcedor o que ele realmente quer. Empresários e dirigentes impuseram novas demandas como a obsessão por um torneio continental que, até pouco tempo atrás, era solenemente ignorado. O poder público retirou nossos direitos de um lado e, de outro, trabalhou em prol desses mesmos dirigentes e empresários, consolidando a aberração do Estatuto do Torcedor. E a imprensa abutre fez o trabalho sujo, disseminando a ideologia do troço e chamando de marginal e bandido aqueles que não se enquadram no "perfil do público-alvo".  

Voltemos aos anos 90, quando eu, corinthiano recém-iniciado no Pacaembu, achava que a coisa mais importante do mundo era defender meu Corinthians contra um Novorizontino ou um XV de Jaú. E ainda acho. Porque não me importo com o campeonato em disputa; me importo com o Corinthians no gramado. Cada entrada da esquadra alvinegra numa cancha é uma batalha vencida, um tributo àquela gente que em 1910 consolidou o sonho do povo.  O problema é que todos nós que pensamos assim, independentemente do time, somos um obstáculo, já que nossa teimosia também não cabe na equação apresentada acima. 

Isto posto, vale refletir sobre a pergunta sugerida no início do post. Por exemplo: é imoral o discurso de técnicos e atletas com relação aos Estaduais, dando a resposta esperada pelos jornalistas e dirigentes de que irão priorizar este ou aquele campeonato. Estão rindo da nossa cara e ainda há quem repita tais aberrações, num ato de irresponsabilidade que irá custar muito caro logo adiante, no bolso e na alma. Porque a nossa prioridade é e sempre será estar no estádio defendendo nosso amor a um time e exigindo, no mínimo, respeito e dedicação à camisa.

Agora, se tudo isso não convenceu, resta-me apelar: o babaca do juca kfouri chama o Paulistão de paulistinha. Escolha um lado.

Em tempo: vejam o tipo de gente que está "debatendo o calendário do futebol" e quais as idéias desses imbecis, que provavelmente não freqüentam as arquibancadas pelo país.