24 outubro 2013

Ponto de saturação


Após milhares de entrevistas, reuniões e desculpas esfarrapadas, a noite desta quarta-feira escarrou na cara de cada corinthiano tudo o que se passa. Nas recentes conquistas, havia muita coisa inaceitável no Corinthians que foram relevadas - ou escamoteadas - por conta dos resultados. Não há, no entanto, enganação que dure para sempre. Não há vagabundagem que resista ao futebol. Não há descompromisso que fique impune.

Neste ano, o corpo dirigente, principal culpado pelo descaso vigente em todos os setores - do presidente ao roupeiro -, simplesmente ignorou o centenário da Revolução Corinthiana de 1913. Deram de ombros aos nossos antepassados, que tanto nos ajudam, iluminam e inspiram. Ao mesmo tempo, a torcida mergulhou de cabeça num estado de ruminação inédito e assustador, chegando ao cúmulo de bater palminhas hipócritas a cada vexame no Pacaembu.

Eis que uma cobrança displicente de pênalti por aquele que nunca deveria ter pisado no Parque São Jorge resume, em explícito recado, todos os erros acumulados nos últimos tempos. Está aí até para quem não quer ver. Atingimos o ponto de saturação e a Fiel Torcida se vê diante de um desafio crucial. Ela vai escolher que Corinthians teremos no futuro: aquele que sempre lutou, que sempre agregou e sempre serviu a seu povo ou aquele que se maquia de moderno, que pensa no business e renega suas próprias origens.

O Corinthians, quando vai a campo, não escolhe jogo. Cada entrada no gramado pelo escrete alvinegro já é uma vitória, já é mais uma prova da consolidação do sonho daqueles primeiros que forjaram o Time do Povo. Não é questão de ganhar ou perder, trata-se da postura. Trata-se de respeitar a camisa que veste. Hoje não nos dói a derrota, mas a falta de comprometimento instituída pelo filho da puta do técnico que tem o medo como principal característica.

Está na nossa mão, portanto. Se lá dentro, todos fogem da responsabilidade, é hora de cada torcedor tomar o Corinthians para si.


08 outubro 2013

A burrice, apenas a burrice


Pode parecer pedante, agressivo, ácido, radical ou intolerante. Ou então deve ser recalque de quem, aos 32 anos, ainda não se achou na vida e rasteja por aí, de bico em bico, tentando pagar as contas. Talvez até uma premissa de texto do Olavão, aquele. Pode tudo isso, mas eu vou falar mesmo assim. Anda insuportável a burrice disseminada como ar ou água, numa amplitude que não faz distinção de cor, credo ou classe social.

Listo aqui dois fatos recentes, e minha Evinha estava presente e pode tirar a prova caso haja dúvida:

1) Show gratuito no CEU Butantã. No palco, dois nomes importantíssimos do samba paulistano, um das antigas e outro mais recente, e ambos igualmente geniais. Osvaldinho da Cuíca e Kiko Dinucci fizeram um bem bolado de seus repertórios e mostraram como o samba paulista é riquíssimo, apesar da hegemonia da vertente carioca. Sotaques, causos e até um batuque diferente, tudo ali, de graça. O teatro do CEU, vale ressaltar, é belíssimo. Poltronas bem posicionadas e com qualidade de som superior a muitas casas de show badaladas. Ouso dizer, porém, que havia mais gente se apresentando do que assistindo.

2) Show de Alceu Valença no Credicard Hall. Deixamos para comprar ingressos horas antes da apresentação. Na aproximação da casa, estranhei a rua deserta, com vagas na rua a gosto do cliente e nenhum flanelinha. Paro o carro no portão do lugar e, enquanto a Eva vai comprar as entradas, fico ali ouvindo o papo de alguns cambistas desesperados para se desfazer do encalhe. Volta a Eva e vamos comer um cachorro-quente, quando chega um desses cambistas me perguntando:

- Esse Alceu Valença aí de hoje é forró universitário, né? 
- Olha, não é muito não - respondi, tentando não me irritar. Ele tem uns forrós sim, mas é bem mais velho...
- Ahhhh, mas é igual Falamansa, né?
- ...

Entra em cena a tia do cachorro-quente:

- Ah, mas hoje não enche não. Tinha que ser show igual do Fagner.
- Quem é Fagner? - pergunta o cambista.
- Aquele cantor lá, que toca umas músicas igual o Gustavo Lima.
- Ahhh...

Imaginem como desceu o cachorro-quente...

E o que eu quero dizer com isso? Estava difícil encontrar explicação até ler a entrevista com o escritor Bernardo Carvalho sobre seu livro "Reprodução". Grosso modo, a obra analisa o comportamento  dos internautas, caracterizado principalmente pela falta de reflexão e conteúdo. É necessário ler a entrevista, mas vou destacar aqui a frase que resume minha angústia recente: "A burrice era privada, mas agora é pública."

Voltemos aos casos acima. Como pode três grandes brasileiros receberem tão pequeno público? Como, já que o primeiro show era gratuito e o segundo custava R$60, bem abaixo dos valores que andam cobrando até em buteco com banda cover da pior qualidade? Por que raios não há a aclamação do povo por sua própria gente? Recorro novamente a Bernardo Carvalho, em definição à literatura que pode ser estendida: "A literatura passou a ser pautada pelo gosto da média. Mas literatura é reflexão, não só contar uma história."

Puxem pela memória e notem que a coisa é, além de grave, comum. Na imprensa, no bate-papo da padaria ou no bar, há a valorização da burrice e das coisas superficiais em detrimento do senso crítico. Lulista juramentado que sou, afirmo que os governos Lula e agora o de Dilma incorreram num erro imperdoável para quem promoveu tamanha revolução social. Essa revolução contemplou apenas os desejos consumistas da população que sempre foi excluída, deixando de lado a formação cultural. Entram nesse contexto diversas formas de conhecimento: político, econômico e artístico. O poder de compra bastou e o pessoal se contentou em ter seu dinheirinho para tentar mostrar uma superioridade volátil.

Não existe o mínimo de senso coletivo, tampouco preocupações em utilizar esse primeiro passo de inclusão financeira para reduzir desigualdades. No fim das contas, ninguém percebe que ter dinheiro não basta para entrar no clubinho dos bacanas pela porta principal. Sempre haverá uma pulseirinha de outra cor no teu braço, delimitando espaços que deveriam ser comuns e reforçando a idéia imortal da luta de classes.

É, portanto, um círculo vicioso, induzindo cada vez mais a aceitação de idéias, produtos e conceitos massificados e quase sempre medíocres. Termino com outra sugestão de leitura, dessa vez publicada no blog Scream and Yell sobre as diferenças na produção do festival Lollapalooza no Brasil e no Chile. Faço apenas um pedido: não entendam este post como sintoma da síndrome de vira-latas. Trata-se apenas de uma incompreensão pessoal que conta com inúmeras comprovações diárias e ainda esparsas, mas com gigantesca possibilidade se juntarem numa tempestade devastadora.