07 janeiro 2014

O excludente Corinthians Incorporation


Entre os alicerces do Corinthians, é imprescindível destacar o Botafogo do Bom Retiro, descrito como o rei da várzea paulistana no início do século XX em "Coração Corinthiano", de Lourenço Diaféria. Não só pelo ímpeto guerreiro em campo, o Botafogo também era conhecido por agregar segmentos excluídos da sociedade e ser uma das poucas agremiações da época a aceitar e bancar os negros nos escretes. Essa foi uma das principais heranças que os ancestrais corinthianos trouxeram dos campos enlameados das margens do Tamanduateí, palco das pelejas do Galo da Várzea.

Como sempre alerta o nosso historiador-mor Filipe Gonçalves, o Corinthians já existia antes mesmo de ser fundado, e foi natural a transferência para o Coringão desses ideais do Botafogo, que contava com craques que seriam posteriormente símbolos corinthianistas, como Neco e Amílcar. Lá, jogava-se não só pela vitória: era uma perfeita representação da luta de classes em que a sobreposição do pobre ao rico era possível (e quase sempre constante).

Um século depois, o Corinthians mudou. O ano de 2014 nem bem começou e uma das primeiras atitudes da corja que ocupa as salas ar-condicionadas do Parque São Jorge foi restringir novamente o acesso à sede social. A justificativa é risível: "tendo em vista que consideramos e entendemos que a prioridade é o conforto e bem estar do associado e não de terceiros que excepcionalmente queiram usufruir das nossas instalações."

A partir de agora, quem quiser conhecer a casa do Corinthians sem ser pela visita monitorada (não encontrei no site oficial informações sobre isso) deverá desembolsar R$50, além de depender da boa vontade de algum associado que autorize sua entrada e se responsabilize pelos seus atos. Ainda de acordo com a diretoria, a medida encerra campanha de aumentar o número de sócios. Vale dizer que eu, por acaso, aderi à tal iniciativa e tive de largá-la no meio porque não pude pagar o restante do título e as mensalidades. Era isso ou os ingressos de jogos, e imagino que muitos desses novos associados (um aumento de 40% que, num universo de 2 mil pessoas, é quase nada) tenham feito a mesma coisa em resposta à inabalável elitização do clube.

Voltando à lamentável decisão, trata-se de uma ofensiva declaração de impedimento: o sujeito vem de algum lugar do Brasil com, suponhamos, dois filhos só para conhecer o Corinthians e terá de desembolsar R$150, isso caso alguém endosse sua permanência. Mais grave ainda é a estratégia por trás disso. Entenda a "prioridade ao conforto e bem estar do associado e não de terceiros" como "chega de encher a sede com essa gentinha sem dinheiro e que, de repente, pode querer cobrar diretor ou conselheiro pelas cagadas que a administração vem fazendo".

É mais do que óbvio o interesse em manter o clube vazio. Ali, eles não podem esconder nossa história, não podem esconder o legado deixado pelos ancestrais da várzea, do Botafogo. Estar no clube é inspirador e motiva qualquer corinthiano a retomar o Corinthians do povo, pelo povo e para o povo. Mas a nossa realidade é outra, infelizmente. Quando iríamos imaginar que o Corinthians fosse oficializar em nota uma postura tão nojenta e excludente como essa?

O Corinthians não é de meia dúzia de associados. O Corinthians não é de um punhado de cartolas e conselheiros, todos traidores e mentirosos que promovem aberrações como esse chapão que nunca será extinto. O Corinthians é nosso, é do torcedor. E precisamos retomá-lo.