16 maio 2007
O poder da criação
O berço
A criação do sujeito é o seu molde de caráter. Então vou falar do meu caráter contando meus primórdios. Nasci com uma camisa Corinthiana na porta da maternidade. Talvez essa tenha sido uma das poucas coisas boas que meu pai deixou como herança. Não nego que fui amado por ele, mas a vida desviou nossos caminhos e, hoje, parece que ele morreu (e, quem sabe, seria melhor ter morrido de verdade).
Outra coisa que ele me ensinou, talvez sem perceber, foi o amor pelas palavras. E eu, sem perceber, acabei jornalista como ele. Sem pressão. Meio que por osmose. Também agradeço a ele por isso. E só.
Mas minha figura paterna é meu padrinho. Assim como a maioria dos meus amigos, palmeirense - é sina. E isso é seu único desvio. Por ele e pela minha madrinha, coloco a mão no fogo. Foram eles que colocaram na minha cabeça os valores da igualdade entre as pessoas. Tiravam dos próprios filhos para dar, em partes iguais, para mim e para minha irmã. Éramos cinco. Tinha uma de sangue e mais três de criação. E dindo e dinda, um pouco menos favorecidos na parte financeira que meus pais, passaram tudo o que o ser humano tem de melhor. E por eles tenho eterna gratidão, mesmo que hoje nossos caminhos também estão um pouco separados. Mas ainda correndo em paralelo - e duas linhas paralelas se encontram no infinito.
Falar de mãe não vale. Se pensarmos bem, a gente mais briga com elas do que vive em harmonia. Acho que essa é a essência do relacionamento mãe-filho. E a maior demonstração de amor mútuo. Então, pulemos essa parte.
Aí vem os avós maternos, dois guerreiros (o avô recebeu o pseudônimo de Jorge, precisa dizer o motivo?). O velho anda meio cambaleante e a velha nem parece ter a idade que tem. As férias na casa dos dois serviram como nossa primeira comunhão e a sabedoria empírica de ambos era nosso evangelho.
As instituições
A escola era uma merda. Sempre foi. Tudo que sei aprendi por conta e interesse próprios, já no cursinho pré-vestibular. Até o colegial, o essencial foi saber conviver em sociedade e respeitar suas regras. Claro que extrapolei alguns limites. Mas isso é natural. Foi lá que tive contato com o que há de bom e ruim. Mas não levo muito mais que gratidão por ter me dado uns poucos e ótimos amigos, comigo até hoje.
A rua é onde a gente compensa o mimo de casa. E eu fui muito mimado e chato. Aliás, um gordinho chato, daqueles que ninguém suportava. Aos poucos, e a custo de muito tapa na orelha, fui aprendendo a ser alguém um pouco mais agradável. Outra lição veio via contraste social. Na esquina tinha uma favela. Gente boa e trabalhadora. O convívio era constante e natural, mas sempre rolava um pequeno incômodo. Por que aquele moleque que joga bola comigo tá comendo o sanduíche descontroladamente? Por que a roupa daquele outro tá sempre rasgada e suja? Inconscientemente, isso ficou gravado em mim e hoje garante a indignação permanente com as diferenças e as injustiças.
Ainda falando da rua, tínhamos uma festa junina. Vinham o pessoal da favela, todos os vizinhos e alguns agregados. Fechávamos os acessos da Heitor e servíamos o banquete nas garagens. Tinha bingo e tudo. A criançada soltava bombinhas e balões. Comíamos feitos ogros até de madrugada, numa verdadeira festa asterixtica. Os portões ficavam sempre - eu disse sempre - abertos. E jogávamos bola. Até estourar a última bolha.
A macumba era nossa válvula de escape. Mas o jeito natural com que tudo era tratado me fez ver aquilo mais como uma manifestação cultural que uma religião. Deve ser por isso que ainda gosto tanto do negócio, apesar de também a vida ter desviado meu caminho da umbanda. É nela onde repouso minhas explicações para o inexplicável. Acreditem, isso acontece - ainda discorro sobre a vez que um criolo de 1,90m de altura conversou, em japonês, com minha avó.
O lema
Conheci o samba tardiamente. Lá pelo meio da adolescência. Mas ao escutar João Nogueira dizendo "aos que vivem a chorar, eu vivo pra cantar e canto pra viver", tudo voltou. Posso parecer frio, calculista e racional, mas é porque penso sempre naquilo tudo - pouco - pelo que já passei. E vejo que, depois de tantas alegrias e tristezas, nada irá abalar o que aprendi. Mesmo com tantos desvios no caminho...
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5 comentários:
Nem me fala em palmerense...
Tive uma Vó (mãe do meu pai). Ela não era palmerense e odiava o apelido de "porco". Era uma Palestrina das antigas, com sotaque do bixiga acentuado, que andava com folha de arruda na orelha (arruda é um costume, por incrível que pareça, calabrês), mesmo que o pai dela, meu bisavô, que veio de uma aldeia ao norte de Salerno sozinho aos nove anos, tenha sempre gostado do Alvinegro Nosso de Cada Dia.
Meu Pai, tendo sido criado mais por ele que por ela, não teve dúvidas para quem torcer naquele dia de fevereiro de 1955, quando entrou em campo o melhor Timão da história.
Foi ela que me levou pra dar doces para São Cosme e São Damião para eu parar de fazer xixi na cama.
Chegou a tentar me dar uma camisa verde, que prontamente foi jogada no chão, numa malcriação que até minha mãe, Corinthiana, teve de me repreender.
Minha camisa sempre foi preta e branca, ela comprou uma briga naquele dia. Eu tinha cinco anos. Depois desse dia, toda vez que ela mencionava o verde, sabia que viria um palvrão cabeludo. Eu aprendi cedo esse vocabulário. Cedo até demais...
Incrível, mas essa oposição foi base para minha formação. É por isso que eu estou falando tudo isso.
Mesmo tendo meu Vô (por parte de mãe) Corinthiano desde 1925, que ia moleque ver o Teleco jogar na Fazendinha (bancada de madeira. Bonde. Outros tempos...), que ia namorar a minha Vó (cujo pai, irlandês, torceu pro verde só por causa da camisa) na biquinha do Santo Guerreiro, onde desde criança me levou para beber o Corinthianismo antes de ver o treino, junto com meu pai.
Meu joelho conhece o Parque São Jorge inteiro.
Mas meu Vô era um matemático anarquista, e minha Vó era o oposto, uma médium chegada no candomblé. Até hoje transito nesses extremos...
Felizmente tive boa escola, o Poço do Visconde, na Avenida Pompéia (não existe mais), e o Colégio Equipe. Apesar de que estudar nunca foi meu forte. Nunca bombei, mas nunca tirei mais de três 10 ou "A" no boletim.
Mas infelizmente minha vivência na rua não foi tão boa como foi a sua. Não tive festa junina, por exemplo, e não morei do lado dos barracos. Foi meu Pai (um verdadeiro malaco responsa) quem me ensinou esse lado da vida...
Aprendi o samba com ele.
Minha Mãe querida sempre foi a fonte maior de carinho e proteção.
Não te conheço o bastante para comentar a respeito disso com o seu velho. Mas esse post é muito bom de se ler.
Abraço
OBS: marcamos a caravana, sem faltas da minha parte, para o jogo contra o galo? Dia 26, sábado.
Caravana marcadíssima!
Ah, e acerca dessa história Corinthianíssima, lágrimas nos olhos...
E minha escola, pra vc ter uma idéia, certa vez levou Brasil Vita para dar uma palestra. Por aí você mede hahahahhahahahaha...
abraços!
alguém tentou de corromper... te levar a ser evangélico?
kkkkkkkkkkkkkkkkkk
vc anda realmente sensível esses dias...
hum, festa junina... tá chegando
Foram aqueles malditos que tocam campainha de sábado de manhã hahahahahhahahahahahhahahaha...
Acho que tem algum astro mexendo no meu comportamento. Mas festa junina era do caralho. A única coisa que eu não gostava era quando aparecia o João Bêbado. Me cagava de medo dele.
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