07 maio 2013

Coringão do Paulistão


O senso crítico que sempre fez parte do viver do corinthiano vem sendo podado com o tal futebol moderno. Dirigentes, muito espertos, aproveitaram um dos lemas da Fiel - aquele de apoiar o time em campo de maneira intensa durante os 90 minutos - e distorceram o conceito, utilizando-o como forma de alienação. Hoje em dia, tudo está bem, tudo está ótimo, tudo está colorido e lindo no Parque São Jorge. "Tem que apoiar incondicionalmente", dizem. Oras: e não apoiamos? Oras de novo: e apoiar não é, justamente, levantar críticas sobre aquilo que nos desvia dos ideais de 1910? Ao menos foi o que aprendi nessas inúmeras páginas que li e nesses 20 anos de estádios...

O Corinthians em campo é reflexo de sua torcida na arquibancada. Se  vemos jogadores vagabundos escolhendo campeonato a ser disputado e dirigentes cuspindo em nossa Centenária História, é porque estamos deixando. E, ao deixarmos, estamos sendo irresponsáveis. 

Estamos às vésperas de mais uma importante final do Paulistão, aquele torneio tão gigantesco que os abutrinhos insistem em querer desmerecer, como fazem também com o próprio Corinthians. Que ao menos os vagabundos já citados tenham vergonha na cara e joguem bola, para honrar os 100 anos da Revolução Corinthiana de 1913 e homenagear aqueles heróis que colocaram o Time do Povo no seu devido lugar. 

Para prepará-los o espírito, reproduzo abaixo uma reportagem de 14 de outubro de 1977 - publicada pelo Jornal da Tarde na ressaca do maior título alvinegro - com João Rubinato. Vestido de seu mais célebre personagem, o Adoniran Barbosa, ele fala do Corinthians essencial, do Corinthians que todos queremos para o futuro. Esse texto só está aqui graças ao presente sensacionalmente maravilhoso que minha Evinha me deu, reunindo diversos recortes históricos daquele dia que em breve estarão por aqui.



"Adoniran Barbosa: 'Sô Corintiá'

'O Corintiá tem a minha idade, nascemo em 1910'. Adoniran Barbosa, boêmio nos velhos tempos viu um dia demolirem a maloca onde costumava passear com seu cachorro Peteléco, quando morava na rua Aurora. 

- Doeu no fundo do meu coração o que vi, eles ia fazê um prédio no lugá donde morava meus amigos Mato Grosso, Mario, Joca, Curintiano. A tristeza foi tão grande que desandei a cantá: 'Cada tábua que caía doía no coração / Mato Grosso quis gritar mas em cima eu falei / os hómi tá cá razão / nóis arranja otro lugá'.

Adoniran fugiu da escola no terceiro ano do primário e não tem vergonha de confessar: 'Num sei escrevê, nem falá e assino em cruiz', diz, e completa: 'Sô Corintiá, sou povão', e lembra com saudades do tempo em que almoçava e jantava pão, ovo e sardinha, muitas vezes preparando-se para ir ao Pacaembu ver o seu Corintiá -: 'Porque ristauranti e marmita saía caro'.

Hoje artista de televisão, ele lembra com carinho quando era encanador, pintor de parede, balconista, serralheiro, garçon. Lembra das rádios, onde foi tudo, menos operador e técnico. Foi cantor - seus instrumentos eram a caixa de fósforos e o chapéu de palha. No programa 'Histórias da Maloca', foi o cômico Charutinho, um favelado que resistiu 14 anos, na rádio Record. À sua primeira composição, Dona Boa, seguiram-se outras, como Saudosa Maloca, Trem das Onze, Samba do Arnesto, Aqui Gerarda e Pafúnça. Agora, ele gosta mesmo é de falar com seu Corintiá:

- Sou Corintiá porque sô povo, devo a ele meu sucesso. Minha música é o chão falando, o chão de terra batida que fica nesses bairros descalços de São Paulo. Basta escuitá no chão qui o povo pisa e traduzi essa linguage. Faço samba prá pobre. Comigo não tem dessa de granfino. Afinal, quase todos meus amigo são criolos, corintianos, e como é que eles ia me entendê si me metesse a falá difice, todo cheio de esses e erres?

Adoniran só lamenta não poder ir aos estádios ver seu Corintiá jogar. Porque as emoções poderiam ser muito fortes. Mas foi cheio de esperanças que deixou um depoimento, sexta-feira, ditado a um amigo, no balcão de um boteco, no Sumaré:

'Sô corintiano, meu amigo, desde 1910. Quando tinha déis ano, comecei a gostar do Corintiá, não do Corintiá de São Paulo ainda, eu morava em Jundiaí, gostava do Corintiá Paulista de Jundiaí, que não tinha bão pra ele. Ia pra lá o Mackenzie, entrava bem. Ia pra lá o Palestra Itália, entrava bem. Ia pra lá o Paulistano, dançava. Num tinha bão pro Corintiá de Jundiaí. Agora, desde que mudei pra São Paulo, dos tempos de Tufí, Grané e Del Debio, Jango, Brandão e Dino, sô Corintiá daqui. Só tinha nego bão, e Rato, De Maria, famosa ala esquerda. Tinha também o Jaú, negrão bão. O Neco, qui batia de cinta no juiz e otros bichos bão. Em 22, o Corintiá foi Campeão do Centenário, daí pra frente, que eu me lembre, o Corintiá sempre foi campeão i eu sempre corintiano. Sempre, sempre, sempre. Naquele tempo, o jogadô almoçava em casa e levava carção, meia e chutera debaixo do braço. O Corintiá sempre foi assim, amor e sangue pela camisa desde o Bom Retiro, bairro onde foi fundado. Eu sempre Corintiá, perdendo ou ganhando, modéstia à parte esse slogan é meu, põe ele em letra grande: 'Quer amanhecer uma segunda-feira feliz seja corintiano'. Num tô mintindo não. Naquele tempo, os bondes ao passar um pelo otro se cumprimentava sorrindo, os motorneiro batia a campainha um pro otro, era blén, blén, blén, saudando também o Corintiá. E sempre campeão até 54 com Brandão na direção e Gilmar, Murilo e Olavo; Idário, Touguinha e Roberto; Cláudio, Luizinho, Carbone e Mário. E timão não, meu Deus do céu, como vendia jorná esse time. Daí, um dia a Portuguesa deu em nóis de 7 a 3. Gilmar foi pro Santos, meu cachorrinho ficou doente nesse dia, não fui ao campo, fiquei em casa torcendo eu e o Peteléco. Até 3 a 3 tava bão, mas daí começamo a dançá. E muda a diretoria, muda não sei o que, muda não sei o que lá. Mais agora, é o seguinte: Corintiá tá como em 54, muito amor, muito sangue, muita valentia pela camisa. Continui assim, Corintiá, e ninguém segura nóis. Viva o Corintiá campeão. E, óia, amigo, vô assiná em cruiz porque num sei escrevê, tá bão? E viva Lauro D'Ávila, autor do lindo hino do Corintiá'"


4 comentários:

Eva disse...

Só acho que deveria ter esperado o fim do Campeonato Paulista pra te entregar.

Algo me diz que esses regalos me dão uma certa zica (ou sorte excessiva pra vc).

Filipe disse...

Os motorneiros batem a campainha
saudando o Corinthia e a Evinha.

VIVA O CORINTHIA NOSSO DE CADA DIA!!!

Matheus Antunes disse...

É nóis, Queiroz! Ganhá essa porra...

Zé Carlos disse...

Ótimo blogue!

Só conheci hoje, pois "lincaram" no Silvinho - mas já tá "favoritado".