Eis a quarta parte da série "Corinthians, modéstia à parte", obra belíssima do pernambucano Nailson Gondim. Para pensarmos no Corinthians que queremos para as futuras gerações.
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Criança, não verás...
É em pequeno, já que a gente começa a entender por que o Super-homem é corinthiano. O Batman também. Carlitos, então!... Tarzan, os Flinstones, Mickey, Popeye, Homem Aranha, Pinóquio, Pateta, a turma do Sítio do Pica-Pau Amarelo (menos a Cuca, que se veste de verde. Xô!). Quase todo mundo, enfim, é corinthiano. E a gente revela esse segredo sem mistério na coleção e figurinhas preferidas, nas paredes do quarto, nos adesivos colados onde podem (e às vezes onde não devem). Tudo passa a ser Corinthians. Esse inexplicável Corinthians de fortes gritos e tanta gente miúda - pequenos mosqueteiros, fiéis ao lema "eternamente dentro dos nossos corações". Repare quem quiser: não é um só coração, são vários. O Corinthians já vem no coração (não vem no sangue, o sangue é o suor). Por isso, pouco adianta que pais insensatos tentem mudar o caminho escolhido e definido - Corinthians ontem, hoje, amanhã e depois de amanhã - pelo filho esperto que diz "tá bom, paiê... tudo bem, maê...", mas na primeira esquina mantém sua direção. O destino, não tem jeito, é um só: Parque São Jorge, ponto de partida para o que der e vier. O corinthiano mirim é até capaz de sair de casa não-corinthiano (de mentirinha, né?), mas volta corinthiano quando vem da escola, da natação, do passeio... do carregamento na feira ou da mendicância nos cruzamentos da cidade (por que não?). É assim que age o corinthianinho atento aos dribles que ele vê apenas o Corinthians dar nos tontos adversários - o que o diverte, porque driblar o adversário é também um truque infantil. É o mesmo que pular o muro de casa ou sair pela porta dos fundos para jogar bola na rua; comer o lanche antes do recreio; ligar para a escola e dizer "aqui é meu pai", justificando uma ausência preguiçosa. Derrota? Ele entende: o adversário não era corinthiano (redundância, e daí?). Porque se fosse ele, o corinthianinho de voz firme e decidida, não derrotaria o Corinthians - seu Corinthians de poster aberto por todos os cantos, que veste seu time de botões, que dá vida à sua camisa sempre à espera de autógrafo. As 17 regras do jogo ele conhece muito bem. E sabe bastante sobre pênalti a favor, roubo do juiz, impedimento do adversário e falta de sorte. Idéia própria de quem, a respeito do Corinthians, somente se explica com o coração. Está certo. A cabeça é para aproveitar cruzamentos na área e pimba! no canto ou no ângulo do gol. O corinthiano pirralho concorda com ele mesmo, assina e dá fé, porque é de fé. E, por seu tamanho e idade, vive sonhando poder um dia engrossar também - e quanta vontade! - a corrente de paixão que nos estádios é uma só voz; e, quem sabe, entrar em campo com um número às costas e fazer o que seu ídolo não pôde; ou, então, brigar com todos os adversários, tirando satisfação com um corajoso "tão pensando o quê?". Mas o juiz pode expulsar, é verdade. Não importa, porém, porque em seu interior há uma força conhecida e reconhecida. Ninguém vai ligar para juiz, autoridade que todos xingam mas gostariam de ser um deles para fazer o Corinthians mais campeão. Esses desalmados juízes não fazem isso. ("Juiz ladrãooooo!") O Corinthians dos pequenos é fascinante, é fabuloso, é um mundo encantado. E o Corinthians dos grandes... bem, o Corinthians dos grandes não é diferente, porque só existe um Corinthians. Por isso, a gente cresce assim, preparado e esperando um dia chegar para dizer aos menores: "Criança, não verás nada como o Corinthians!..."
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