15 julho 2008

Proibidão


Alegria de pobre, se antes durava pouco, agora nem vai durar mais. A sociedade brasileira, mesmo depois da suposta abertura democrática com o fim da ditadura militar, se afunila em um modelo cada vez mais sectário, reacionário e proibitivo. A cada nova tentativa "subversiva", vemos poderes Legislativo, Judiciário e Executivo unidos contra aqueles que deveriam defender. E o definhamento da sociedade nada mais é que o reflexo de um Estado fraco.

Não precisa puxar muito pela memória para listarmos aqui as consecutivas restrições impostas aos cidadãos. Em sua maioria, as regras generalizam fatos isolados e transformam o país em um cenário de caos - caos este plantado pelo descaso do próprio Estado e pelo vil capitalismo -, o que, em tese, justificaria um endurecimento nas leis. Citemos alguns:

- na década de 90, decidiu-se que torcedor associado às organizadas era bandido. Proibiu-se a entrada das entidades nos estádios, sem bateria, bandeiras e faixas. Ao mesmo tempo, jogaram a culpa na cerveja, também banida. Acabaram com a beleza das arquibancadas, nivelaram o termo torcedor por baixo (dando espaço para corneteiros e aproveitadores) e enfraqueceram o poder de mobilização que as organizadas tinham. Assim, diminuíram consideravelmente a força fiscalizadora sobre os dirigentes e o resultado está aí. Dualibs, mustafás, euricos e teixeiras pintam e bordam. Há dois anos, acabaram com as gerais do Maracanã, sepultando a multidão dos geraldinos, que eram o retrato mais-que-perfeito da inclusão social que só o futebol proporciona. Agora, em 2008, a cerveja sumiu também dos estádios de todo o país. Enquanto isso, a polícia mata a rodo por aí...

- atrelada à problemática do alcool, surgiu a tal lei seca. Que não se deve dirigir bêbado, isso todos sabem. Mas a questão não é essa. O endurecimento foi contra um direito garantido na Constituição moral do Brasil: a cerveja do fim do expediente. Uma ampolinha ou duas calderetas não deixam ninguém alterado. O combate deveria ser direcionado ao não-cumprimento da lei anterior, que já era severa. Agora, o Estado equipara um boêmio a um Daniel Dantas (ou não, já que ele não fica preso nem sob decreto) e nos obriga a forjar provas contra nós mesmos. Alguém lembra das confissões assinadas nos porões do DOI-CODI?

- estouro na década de 90, a internet estabeleceu um outro paradigma para a indústria cultural. Se antes as grandes gravadoras detinham o poder de decidir quem lançava disco ou não, o mp3 acabou com esse oligopólio. Ampliou-se, ainda, os meios de divulgação do artista e, fosse seguida essa tendência, a qualidade iria garantir quem era relevante ou não para o mercado - gosto musical, aqui, não será discutido. Semana passada, porém, um substitutivo do senador tucano Eduardo Azeredo - e bancado por gente do outro lado, como o petista Mercadante - que criminaliza troca de arquivos na rede foi aprovado. Ou seja, se o presidente sancionar essa insanidade, não poderemos mais baixar nada para nosso computador. Nem música, nem textos para consultas, nada. Seu iPod será como um treisoitão. Reestabelece-se, dessa maneira, a regra número 1 do capitalismo, que enfatiza o poder dos detentores dos meios de produção e isola a grande massa.

Essa onda de endurecimento cria um estado de guerra. As pessoas passam a ter um sentimento de inseguridade que amedronta e desarma qualquer tipo de organização social e política para o confronto. Os poucos que se arriscam são chamados de lunáticos, que vivem às custas de teorias conspiratórias.

Pior de tudo é ver gente acreditando que liberdade de expressão e democracia já estão consolidadas por aqui. Eu, por outro lado, acredito que isso seja mais um instrumento de manipulação, além de boas desculpas para garantir a viabilidade de proibições como as supracitadas - isso sem falar no tal direito de propriedade. E nego ainda vem me falar que o comunismo é que é utópico...

7 comentários:

Rodrigo Barneschi disse...

Belo texto, japonês.

Por coincidência, eu acabo de publicar um texto semelhante, mas reduzido à questão das barraquinhas de lanches (pernil, calabresa e hot dog nos estádios. Fato é que simplesmente proibiram, sem que o torcedor fosse questionado.

Vivemos hoje sob uma cultura da proibição. Você chegou a ver aquele filme "V for Vendetta"? Pois então, às vezes sinto a nossa sociedade a caminho daquela realidade sórdida.

Você tratou bem aí do caso das torcidas organizadas, da lei seca e da questão da internet. Neste último caso, a meu ver, o grande problema é que o tal de Azeredo não entende do assunto e acaba sendo manipulado por quem tem interesses nada progressistas.

Recomendo, pois, a leitura do blog do Sergio Amadeu, que insiste sempre nesse tema.

Abraços

Craudio disse...

Vi o lance das barracas. É mais uma medida que se soma à insanidade disso tudo.

Como você mesmo diz, não consultam quem deveria ser ouvido.

Anônimo disse...

Matou a pau.

Sem mais.

Rodrigo Barneschi disse...

Pois é, só agora fui reparar que você já tinha colocado o link para o blog do Sergio Amadeu.

Craudio disse...

Achei q você tinha recomendado justamente pela presença dele hahahahahahha

Anônimo disse...

É. Matou mesmo.

A liberdade é um processo...

E o "crtl+c crtl+v" passará a ser um crime. O meu trampo vai ser proibido por lei.

Craudio disse...

Tem mais essa ainda...