24 fevereiro 2011

Ingenuidade, uma arma poderosa


Eis que aconteceu um furdunço entre a classe dirigente futebolística do país. No tiroteio de interesses monopolistas, criou-se um clima de total desvio de foco na negociação dos tais “direitos de transmissão” dos jogos em que muitos viraram mocinhos, apesar de serem todos bandidos. A pauta, mais uma vez, se origina da visão cada vez mais distorcida do torcedor que valoriza a bunda grudada no sofá. Do lado de lá, cartolas, emissoras, imprensa, todos eles sabem o que estão fazendo – e fazem muito bem - para acabar de vez com o pouco de alma que ainda resta nas arquibancadas.

Não iremos ficar aqui explicando do que se trata o assunto, pois até os alienados da bola devem conhecê-lo. Façamos, então, a análise de alguns pontos que saltam aos olhos. Peguemos, em primeiro lugar, o grande totem que muitos ingênuos elegem como a salvação do futebol: a Rede Record. Sim, senhores, a emissora do bispo, aquela que toma dinheiro de gente pobre no dízimo e que transmite horas e horas de pregação numa concessão pública de um Estado laico, se apresentou como concorrente da Vênus platinada em uma disputa que, aos olhos desavisados, parece ser revolucionária. Só parece, porque temos aí a mera troca de mão da chibata.

Quem, por Deus do céu, acredita na boa intenção da emissora da Barra Funda? Quem garante que os horários esdrúxulos (os quais foram oficializados com o veto do generalzinho Kassab ao PL que previa término das partidas até as 23h15) irão acabar? Quem, pelo Santo do Pau Oco, não vê nessa investida crente mais uma movimentação tentacular da fé sobre outra esfera importantíssima do país, assim como é feito na política há algum tempo? Oremos, senhores, pois estamos diante de uma briga entre o Céu e o Inferno, e geralmente o
barbudo e o chifrudo são os únicos que saem numa boa.

Adiante, é necessário frisar a subserviência ainda gigantesca de todos os envolvidos – inclusive da Record – à Rede Globo. Os clubes construíram sua divulgação e até mesmo suas vendas de patrocínio a partir do índice de audiência no canal 5. Parece-me até lógico, haja vista o interesse geral em deixar os estádios às moscas ou repletos de torcedores-modelo. Espertamente, os Marinho passaram a funcionar como um BNDES do futebol brasileiro, adiantando as famosas cotas e instituindo um sistema quase escravocrata. Não seria cegueira demais imaginar que o Clube dos 13 tomaria decisões sem levar isso em consideração? Está mais do que na cara a improbabilidade de qualquer time fechar com a Record, ou porque deve à Globo ou porque deve muito à Globo. Na malandragem, o C13 aproveitou a determinação do CADE em vetar os privilégios de negociação para tentar arrancar uma grana maior usando o bispo na jogada.

E então chegamos ao ponto crucial: o esfacelamento dessa eminência falsa. O C13 é uma bobagem que vinha se sustentando porque garante, apenas e tão somente, certo status a dirigentes decaídos. É também uma modalidade de monopólio do futebol que, se outrora prestou serviço ao esporte, agora está parada no tempo. Não é possível esquecerem que os jogos no meio da semana às 22h é culpa exclusiva do C13 e da CBF, cujas ineficiências ou submissões permitiram a emissora carioca desenhar a tabela dos campeonatos de acordo com suas vontades.

Por essa razão, é louvável que o tampão do Corinthians, ao lado dos presidentes dos 4 grandes do Rio, tenham tomado a iniciativa de cavar a sepultura desse ajuntamento de lordes. Os elogios, porém, ficam por aí, e agora passamos a avaliar apenas o alvinegro. Um dos grandes problemas - entre os muitos - de Sanchez é sua vocação para tomar uma decisão acertada seguida de inúmeras cagadas. Novamente, ao solicitar o desligamento do C13, ele não tinha na manga o próximo passo. Quando, em 1913, promovemos o revolucionário estapeamento da elite ao colocar a várzea no futebol da Liga, as ações foram muito bem programadas, estudadas e discutidas. Quase 100 anos depois, vemos apenas um dirigente jogando fumaça na realidade, deixando de exercer a função social do Sport Club Corinthians Paulista na defesa do seu povo
e enganando trouxa sem sequer mencionar a questão indispensável: ou estatizam as transmissões ou cada clube possui sua própria emissora.

Antes que venham os gritos de “utópico!” por conta da suposta inviabilidade dessas duas propostas, é preciso reforçar que aqui neste espaço eu tento manter a coerência das idéias. E ser coerente é não conseguir aceitar que o futebol tenha seu destino traçado pela televisão. A televisão, ainda mais depois do crescimento gigantesco das novas e mais democráticas mídias, não pode mais ditar as regras. Ao mesmo tempo, clube que depende de dinheiro de transmissão de jogo cospe na própria história até meados dos anos 70, quando a TV não valia um vintém. De maneira que essas sugestões, além de atender os interesses dos torcedores, ainda garantem autonomia administrativa muito maior ao clube e acabam, definitivamente, com o futebol produto.

O mais assustador nesse papo todo é ver gente pensante, inteligente e freqüentadora de estádios caindo no conto de fadas elaborado pela mídia. Uma fábula na qual o Corinthians, notem, é a bruxa má (os times cariocas, de posição similar, são curiosamente poupados), tanto para a imprensa quanto para esses mesmos ingênuos que botam fé na Record ou em qualquer outra emissora. Na fábula, o Corinthians é o “advogado da Globo”, mas se esquecem de terem, os acusadores, defendido a emissora anos a fio. Dizem que é preciso “pensar coletivamente”, mas como trabalhar em conjunto com dirigentes do nível traiçoeiro de um Juvenal Juvêncio? Vou além, e digo que, se são tão nobres os reclamantes, para que precisam do Corinthians nas negociações? Será que não dão conta?

Pessoalmente, sempre me preocupo em avaliar muito a situação antes de esbravejar minhas opiniões. Consulto minha memória, avalio os fatos de acordo com minhas ideologias e, num último recurso, recorro ao inimigo para saber o que ele está dizendo. Fico contente em perceber que invariavelmente estou contra as vozes da verdade, malditos que usam os incautos para acabar com esse já combalido mundo.

11 comentários:

Anônimo disse...

Caro Japa,

Sua atitude em revolver o passado para explicar e propor soluções para o presente é louvável e deveria ser seguida por muitos, MAS (eu sempre tenho um MAS guardado)você não pode basear TODA a sua teoria em atitudes que hoje (queiramos ou não) são de aplicação inviável.

Propor o rompimento com o atual estado de coisas baseado no passado é tão impraticável quanto dizer que um país deve fechar suas fronteiras comerciais para combater a dominação dos países ricos.

Quanto ao caso em questão, é de suma importância (e nisso concordo 100% com o Ademir) ver como foi conduzida a administração do esporte lá fora e buscar uma solução. Infelizmente, nós sabemos jogar futebol, mas ainda não somos exportadores de modelo de gestão do esporte (não adianta ficar bravo, agora futebol é negócio, e dos maiores que existem!). E as coisas funcionam assim: quando a gente não inventa, a necessidade nos obriga a copiar ou adaptar um modelo já existente. E o que temos?
1) Negociação em bloco (tipo NFL);
2) Negociação individual (tipo Espanha ou MLB);
3)"estatização" do espetáculo (na Argentina é assim, né?)

Veja o que ocorreu aqui: existia um bloco (se bom ou ruim, não importa agora), que, com a inestimável ajuda do sr. Andres Sanchez, rachou em 2 blocos. É de se dizer que, com o atual quadro, NENHUM dos três modelos acima é possível de ser implantado. Não dá pra ser individual, pois um monte de clube foi atrás do SCCP e tá de olho no que a Globo vai oferecer pra eles.

Mesmo que o Andres esteja querendo ser o Simon Bolivar do futebol brasileiro, acabou fazendo TUDO errado. Os outros espertalhões foram na sequência e acabaram de foder. Agora, vai dar a lógica: tudo fica como sempre foi.

BrunoBM disse...

"ou estatizam as transmissões ou cada clube possui sua própria emissora."

boa proposta!

Craudio disse...

Vinicius, meu ponto é que esse tal bloco é uma falácia. Nunca existiu bloco pra mim, era mera formalidade para preencher requisitos legais, não? (me corrija se eu estiver errado)

Dito isso, minha implicância é que eu não consigo entender esse troço de "direitos de transmissão". Porra, um jogo de futebol é um evento público que a imprensa como um todo deveria ter acesso para cobertura. E cobertura significa, inclusive, transmitir a partida.

Por essa razão, apresentei as duas propostas que pareceram inviáveis pra vc. Para mim, a primeira seria viável com um simples decreto. A segunda, com a simples vontade dos clubes. Ambas trariam receitas, mas não vinculariam ou tornariam o esporte dependente da televisão.

E não discordo quando vc diz que nada vai mudar, até porque, como eu disse, o Sanchez só fez jogar fumaça pra ele aparecer. No entanto, institucionalizar a coisa no Corinthians é um pouco demais pra minha paciência, até porque ou outros tb devem olhar para o próprio rabo - todos eles presos à Globo. E também porque os dirigentes são os mesmos (senão os próprios, suas crias) há 40 anos. Abrax!

Álvaro disse...

"ou estatizam as transmissões ou cada clube possui sua própria emissora."

Perfeito!

As TVs educativas poderiam transmitir (como fizeram na Copa de 82) e poderiam ceder horário para o próprio clube vender o espaço publicitário.

Mas o problema maior que está em jogo é o do último parágrafo: as vozes da verdade absoluta. Antes, eles vinham brandando a lei Pelé, agora é essa tal de "com a licitação juntos chegaremos lá".

Não passam de mentirosos.

Filipe disse...

A questão é simples. Só tem chupim, e o Corinthians leva mais grana se negociar sozinho o seu próprio "produto". E vai ganhar mais mesmo, azar de quem acha que não.
Se não passar jogo do Corinthians, não é só a sofazada Corinthiana que vai chiar, não. A anticorintianada é também espectadora assídua.
1913 foi ontem, mas só hoje elas querem "pensar coletivamente". Umas gracinhas.

Anônimo disse...

Eu sou novato nessa coisa de blog, mas a cada dia eu me impressiono mais ao ver quantas pessoas inteligentes e com capacidade de pensar a realidade estão espalhadas por este mundo virtual, e me espanto mais ainda pelo alto nível dos corinthianos. Um dia, quando reunirem-se todos esses loucos, loucas idéias surgirão, afinal, se uma massa gigantesca como a corinthiana começar a pensar, a coisa vai ficar no mínimo interessante.
Passado este prazeroso momento de delírio, vou tentar dar o meu “chutesinho na macumba”. As discussões sobre os direitos de transmissão dos jogos de futebol no Brasil, indicam várias coisas:
1- O monopólio da Globo está chegando ao fim.
A elite política e econômica brasileira finalmente compreendeu que é muito arriscado manter uma cobra tão venenosa por perto sem nenhuma proteção. Os fatos ocorridos na Venezuela onde um grupo oposicionista controlador dos meios de comunicação tentou engendrar em golpe de Estado e assumir o poder, demonstram a importância e os riscos de manter o controle informativo nas mãos de um único grupo, neste sentido, fortalecer a Rede Record e o SBT, é de suma importância para enfraquecer a rede Globo,mas não se enganem, isso passa longe de ser uma democratização da informação, sendo apenas uma divisão entre facções diferentes de uma mesma burguesia. Uma das mais emblemáticas situações que confirmam este argumento, foi a suposta agressão ao candidato a presidência José Serra, onde a Globo noticiava a barbárie promovida pelos simpatizantes de Dilma, enquanto no mesmo momento Record e SBT saíam em defesa de Dilma, demonstrando que Serra havia sido atingido por uma simples bolinha de papel. Isso pode passar desapercebido, mas desmentir a Globo no exato momento em que ela tentava questionar a candidatura de Dilma, é um fato novo na política nacional. A Globo continuará sendo uma das grandes empresas de telecomunicação do país, mas será apenas uma dentre várias.
( continua)

Anônimo disse...

(continuação)
2- As transmissões dos jogos de futebol é apenas mais um capítulo dessa “novela”.
A facção da burguesia que está no poder atualmente, incentivará ao máximo a transmissão dos jogos pela Record, afinal, boa parte dos investimentos para a ampliação e fortalecimento da emissora estão saindo do BNDES, não diretamente mas através de “bancos repassadores”, entretanto “democraticamente” a Globo também tem acesso a este dinheiro, a diferença é que agora não é somente ela. Dentro deste processo, Sport Club Corinthians Paulista é a grande arma global para combater os planos do governo e da Record, o Andrés Sanchez com sua visão empresarial, já notou o desespero da Globo e a chance de faturar com essa história, isso para ele não é novidade, basta lembrarmos da última eleição para a presidência do clube dos 13 onde o Andrés apoiou o candidato da CBF, Kleber Leite que foi derrotado, mas a lealdade valeu ao Andrés a chefia da delegação brasileira na copa da África do Sul, e o apoio à Globo é mais uma demonstração de lealdade a Ricardo Teixeira e a CBF.
(continua)

Anônimo disse...

(Epílogo)

3- Não só o Futebol, mas o torcedor é uma mercadoria.
Muito se tem falado sobre a mercantilização do futebol, mas pouco ou nada é dito sobre a transformação do torcedor em mercadoria, afinal, contratos de direitos de transmissão de jogos tem a ver com telespectadores que no caso são também torcedores. Quando os clubes negociam este contratos, o que eles estão vendendo é a nós torcedores, onde eles ganham cada vez mais e os torcedores cada vez menos. A elitização do futebol em curso no país faz parte desta lógica, dificultando a ida dos pobres ao estádio fazendo com que a única alternativa seja assistir aos jogos pela televisão, girando assim a enorme engrenagem de reprodução do capital ligada ao futebol. Quando o Corinthians bate de frente com o Clube dos 13, ele apóia-se nos mais de 30 milhões de corinthianos, e no enorme número de torcedores de outros clubes que aprenderam a torcer contra o Corinthias, mas que engrossam as fileiras de telespectadores que assistem aos jogos do clube e que são também vendidos pelos cartolas. Este é o ponto que deve ser tocado, pois é nele que se fundamenta todo o processo pelo qual vem passando o futebol brasileiro, pois, da mesma forma que o capitalista esconde o fato de que seu lucro depende totalmente da exploração do trabalho assalariado, os empresários do futebol escondem que seus lucros dependem exclusivamente do torcedor, pois seguem a lógica: Sem torcedor (prós e contras) não há patrocinadores; sem patrocinadores não há interesse de comprar os direitos de transmissão dos jogos; sem aparecer na televisão os patrocinadores de camisa não vão querer desembolsar somas suntuosas; sem a grana da TV e nem das camisas não há salários milionários; e assim vai.... Todo gira em torno do torcedor, ele paga caro para assistir aos jogos, tem pouco ou nenhum direito ou benefício, e ainda é negociado e vendido como mercadoria.
É ruim, mas pode piorar.
Abraços
Marcio

@OficialGalo disse...

Sou a favor de repartir as transmissões e já que o procurador disse que os jogos saõ do povo e naõ do CADE, então que a TV Brasil também possa transmitir os jogos.
Quero opção de escolha e não monopólio, quero transmissões de jogos mais cedo e naõ corujão.
EU QUERO RESPEITO COMIGO E COM OS CLUBES DO BRASIL, SEJA ELES PEQUENOS E GRANDES.
http://www.galooficial.com/

Craudio disse...

Amigos, a grande imbecilidade nessa história toda aparece no lançamento da TV Corinthians, que acontece neste 01 de março de 2011. A TV do Corinthians não pode transmitir os jogos do... CORINTHIANS!

Quem foi que deu a posse da transmissão de jogos a qualquer emissora?

altamir disse...

Li este post no blog do Birner e o mínimo que posso fazer é parabenizar o autor!