01 abril 2008
Tudo pela civilidade
Futebol e cerveja sempre caminharam lado-a-lado. É tão histórico quanto a relação da bebida com o samba, churrasco, feijoada e demais manifestações populares. É, aliás, a mais popular das bebidas. Para mim, define inclusive o caráter do sujeito. Não me relaciono bem com aqueles que não bebem cerveja - ou pior, que a tratam mal.
Lembro dos meus primeiros goles a caminho do Pacaembu, naqueles sábados e domingos. Primeiros sinais de uma pseudo-independência adolescente babaca. Mas que criou em mim o mesmo hábito de milhares de torcedores. É indissociável a cerveja do futebol. Você chega, às vezes cedo - e no meu caso, os amigos sabem que isso é praticamente impossível, mas vá lá... -, encosta numa daquelas barracas de pernil, pede uma, duas, três geladas. Faz toda a preparação emocional para a peleja e entra. Lá, há os que gostam de assistir ao jogo simplesmente. Outros incentivam o time durante os noventa. Tudo isso era muito mais prazeroso com uma cerveja na mão.
O que nos leva à notícia de que a proibição nos estádios está se espalhando nacionalmente. A restrição, que já valia para São Paulo e no Rio, agora chegou aos gaúchos, segundo alertaram o Barneschi e o Filipe. Nada mais do que um outro passo da elitização do futebol, já tão falada por aqui. O motivo alegado é a contenção da violência, que seria potencializada pelo álcool. Tal alegação será desmerecida a partir de agora.
Tive o trabalho de pesquisar os efeitos do álcool no corpo, chegando a isso (atentem aos meus negritos):
"Os efeitos da intoxicação aguda pelo etanol no homem são bem conhecidos e incluem: uma fala arrastada, incoordenação motora, aumento da autoconfiança e euforia. O efeito sobre o humor varia de pessoa para pessoa, e a maioria delas torna-se mais ruidosa e desembaraçada. Alguns, contudo, ficam mais morosos e contidos. Em níveis elevados de intoxicação (vide Tabela abaixo), o humor tende a ficar instável, com euforia e melancolia, agressão e submissão. O desempenho intelectual e motor e a discriminação sensitiva são também prejudicados."
Vamos lá. Incoordenação motora, desembaraço, humor instável, agressão e submissão, desempenho motor prejudicado. Quem conseguiria trocar meia dúzia de socos com incoordenação, submissão e desempenho motor prejudicado? Os bêbados, na sua essência, são sujeitos: a) que dormem; b) que choram; c) que ficam emotivos e criam amizades crônicas. No caso da agressão, ele se torna somente valente, porém sempre apanha - e daí o célebre ditado "mais fácil que bater em bebum".
Com essa pesquisa, que me tomou cinco minutos, já dá para perceber que associar a violência ao consumo de álcool é uma bobagem. Por que isso não é feito nas baladas, em que os pitboys da vida trocam sopapos diariamente (é só ir na Vila Olímpia, em SP, para comprovar isso)? A violência é um problema dissociado do futebol, da vida boêmia, das festas. É um problema social profundo, causado principalmente pela indignação frente às desigualdades.
E já que falamos em desigualdades, não dá para deixar de citar a permissividade do álcool nos tais camarotes promocionais que infestam os estádios. Por lá, toma-se uísque, vodca, cerveja, saquê, tequila e vinhos de toda sorte. E quem os freqüenta são endinheirados, aqueles mesmos que geralmente ficam impunes e geram tanta revolta nos que pouco têm para passar o mês. Uma aberração.
Por isso, caros, arranjem outra desculpa para tirar o álcool nas arquibancadas. Já nos tiraram a festa, as bandeiras e faixas, os rojões e as baterias. As organizadas já ficam nos suas respectivas jaulas. Tudo em nome da civilidade, que há 500 anos justificava escravização de índios e negros. A mesma civilidade que faz vistas grossas à quantidade oceânica de bebidas alcoólicas que são comercializadas do lado de fora dos estádios. Quanta hipocrisia...
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4 comentários:
Primeiramente preciso dizer que me apropriei da foto do GRANDE ZENON, que está lá no seu fotolog.
Tenho lembranças infantis maravilhosas que não trocaria por toda a riqueza do mundo. Aliás, essa riqueza de ter vivido os anos 80 no Parque São Jorge é maior que toda a riqueza que os babacas julgam ter.
O lugarejo onde está Zenon na foto é hoje abandonado. Tinha ali um chafariz, com pombinhas de gesso (ou de sei lá o que), e funcionava como estacionamento da Cidade Corinthians. Era por onde chegávamos, meu Pai, meus irmãos, eu, e eventualmente meus primos e/ou amigos que mereciam a honra de estar lá. Era ali que eu saltava da Marajó apinhada de pivete, e já lançava a bola pra dar bicudas em direção à Fazendinha, onde já estava rolando o treino da Democracia. E, como se fosse hoje mesmo, lembro das figuras memoráveis do Doutor, do Casão, do viadinho do leão, o Grande Biro, Ataliba (Corinthiano de corpo e alma), Zenon, o Super-Zé (mais que Corinthiano, se isso for possível), o Gigantesco Wladimir (tão Corinthiano quanto o Zé, senão um pouco mais). Lembro até daquele González. Alfinete. E mais uma penca de mano que me foge à lembrança, depois de tantos porres juvenis/adultos (já que é esse o tema do post)...
Lembro também que se bebia muita cerveja no treino. Isso eram o quê?, dez, onze horas da manhã de sábado. Um grupo dos que hoje são a Velha Guarda (um brinde à eles) dos Gaviões e outros afins, lembro muito bem, ficavam brindando o Doutor e provocando, "Aê, Doutor, esse gole é pra você!!!" hahahaha
Não à toa, em meados da década de noventa um pessoal que gostava da 12 e dos Gaviões fundou a Coringão Chopp.
Não à toa, meu caro. Nem um pouco à toa.
Cerveja, quando futebol foi popular e a população ainda não tinha sido emburrecida e deseducada pelo poder público refém dos elitóides estúpidos, era elemento primeiro da cultura da Arquibancada. Primeiro!!!
Depois vinha a cachaça...
Qual a intenção de deixar a população imbecil?
Porque é tão necessário que se faça a tal correção de fluxo na educação? Eva Carolina sabe melhor que ninguém que a população é vítima desse poder público refém de elitóides imbecis.
Mas qual a razão disso?
Com certeza é a mesma de quererem elitizar a Arquibancada, ou melhor, excluir o povo (a perspectiva inversa é mais verdadeira. Não se trata de colocar o rico "bom moço" no lugar do populacho "vândalo", mas sim de remover a "escória" que não pode pagar, que não pode chegar ao estádio, que não tem condições de viver dignamente).
E o que pretenderão os elitóides patéticos após terem consumado tal projeto? O que farão quando apenas cadeiras vazias restarem em um Corinthians X turminha do ragogneti?
Sim, vazias, pois a exemplo do que aconteceu ontem no futsal, em S.Bernardo, a tal da "violência" não acabará.
Muito pelo contrário. O emburrecimento da população promoveu essa "violência" a um patamar sem solução. E esse emburrecimento atinge os filhos da puta, digo, os filhos dos elitóides imbecis, que são os merdas para os quais puseram as cadeirinhas e porta-bundinhas.
Enfim, fizeram merda atrás de merda sem noção do que estavam fazendo e quando se derem conta a merda estará já cobrindo a cabeça dos filhos da puta.
É óbvio que a cerveja (ou o álcool, de forma geral) não interfere na EDUCAÇÃO do sujeito. Se o babaca é violento é porque ou o poder público não lhe deu educação ou a família é desregulada. Nas duas hipóteses o poder público tem parcial ou total culpa.
E os merdas que assumem o poder público, por "trabalharem" em função de coisas escusas, fingem que não vêem que a culpa é deles.
É mais fácil inventar o factóide da "violência" e enganar o cidadão que, sendo "de bem", é um completo trouxa e acredita nessa palhaçada de "torcedores vândalos que promovem a violência".
Só pra deixar registrado, a "violência" acontecia antes de torcidas organizadas existirem nos moldes atuais, que começou lá pela década de sessenta.
Meu Vô me contava de uma briga generalizada na Praça Charles Miller quando ele tinha a minha idade, ou seja, na década de 50. O povo naquela época usava chapéu, terno, gravata, suspensório, as moças usavam sombrinha.
Mas naquela tarde de domingo o caldo engrossou entre Corinthianos e a turminha do ragogneti, a ponto de se ver moçinhas batendo e sangrando no rosto. "Violência" maior que a de ontem, portanto, quando os "vândalos das organizadas" se provocaram e ensaiaram uma pancadaria, que no fim foi promovida mais pela polícia que pelos próprios vândalos.
Antes a briga era do "comum", e tudo era folclórico.
Hoje é do "organizado" (como se o "comum" não brigasse mais...) e tudo é assunto de polícia.
E a cervejinha virou o bode expiatório.
Ê povinho bunda...
Assino embaixo.
Sobre ontem, ficou latente o emburrecimento que você falou. E pobre do Galuppo, que estava lá, comendo fumaça de pimenta com sua camisa pólo rosa (não ia perder a chance de cornetar...).
Você lembrou um ponto interessante: a violência é anterior às organizadas. Só isso já acaba com qualquer tipo de argumento.
O futebol, pelo número de pessoas que atrai, tem a enorme capacidade de criar verdades incontestáveis a partir do nada. Esta, da relação entre violência e cerveja, é uma delas. A imprensa, em seu papel vilanesco, acaba por consagrar esse tipo de verdade. Muitos são os argumentos para defender a venda de cerveja dentro do estádio. Nenhum deles, no entanto, é debatido. Diz-se apenas que a cerveja leva à violência, mas sem qualquer explicação por trás. É o mesmo raciocínio aplicado às acusações contra as torcidas organizadas, à proibição da venda de ingressos no dia de clássicos, à proibição das barraquinhas de pernil etc. A imprensa assume o discurso sem investigar se ele faz sentido. E quem paga o pato é o torcedor. Logo ele, que nunca foi consultado sobre nada disso.
agora é só fumaça pro deleite da geral
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