21 janeiro 2010

Diário de viagem


Dadas as férias que caíram muito bem no começo deste 2010, fomos Evinha e eu para um rolê pelo interior paulista. A digressão começou em Campinas, onde protagonizamos carraspanas fora-de-série, incluindo festas com celebridades globais devidamente alopradas por este que vos escreve. Campinas, vale dizer, é uma terra muito estranha. A cidade não decidiu se é uma grande referência do interior ou um bairro da periferia de São Paulo, e aí a gente percebe que os nativos se comportam como o pobre que quer ser rico.

Saindo de Campinas, partimos em direção a Ribeirão Preto, a Califórnia brasileira (é, isso não quer dizer nada para mim), a fim de assistir ao jogo de estréia do Corinthians no Paulistão. A passagem pelo lendário Pinguim foi obrigatória, e lá estávamos já na noite de sábado. Nada demais ou de menos, a não ser pelo preço, alto como em qualquer bar das Vilas Olímpia ou Madalena da capital paulista. Bom atendimento, porém, e tira-gostos bem servidos; o chopp é apenas correto.

Domingão foi dia de Coringão, mas antes de chegar ao Estádio Santa Cruz, palco de duas conquistas alvinegras, paramos num tal Rei da Picanha, na avenida em frente ao campo. Pedimos meia porção de filé mignon (que inclui arroz, vinagrete e farofa) e nos trouxeram um boi. Rolando, partimos para as catracas, não sem antes tomarmos algumas geladas na porta, aguardando o momento correto para furar a fila. Ao pisarmos no Santa Cruz, começou o show de horrores.

A caipirada é algo que beira o insuportável quando vai ao futebol. Falam as piores bostas, tecem comentários dispensáveis - um gaiato urrava a cada jogador anunciado pelo placar, como se estivesse num exame de próstata - e, principalmente, não respeitam as regras da arquibancada. A certa altura, a bandeirinha marca um lateral errado e eu, já sem paciência com a pelada e com o inominável vestindo a 9 do Timão, soltei um "bucetuda filha da puta de uma vagabunda" para a referida senhora. Evinha me alertou:

- Escutou o que o tiozinho disse?
- Não.
- Você xingou e ele: "óia os modo..."
- "Os modo"???
- É...

No dia seguinte, parti em busca da infância. Cerca de uma hora a partir de Ribeirão, chegamos a Monte Verde Paulista, terra da minha madrinha e cenário do post "Dona Antônia e Seu Venâncio". Rodamos toda a cidade, que não tem mais que 20 ruas, e passamos inclusive pelo local onde ficava a casa da vó Antônia. Aperto no coração ver aquele casarão antigo transformado numa mansão estéril. O mirante, porém, está todo reformado, mas com acesso restrito. Revi as tias Neusa e Bete, além do Marcelo e da vó. Ah, o saudosismo da infância...

Já na terça, partimos de Ribeirão e demos uma parada em Santa Rita do Passa Quatro, onde mora a lenda, a instituição chamada Bôia - leia a Febre Alvinegra. Hoje um senhor de 40 anos, o Bôia resolveu povoar o mundo e fez logo 3 bacuris. Visitas feitas, chegamos em São Paulo no começo da noite, presenteados com um belo congestionamento na Marginal Tietê.

Boas memórias, boas lembranças e com a companhia ideal. Essas férias, de fato, nunca caíram tão bem.

8 comentários:

Seo Cruz disse...

To rindo até agora, Craudião. 'Óia os modo' é sensacional. E vc foi bem atendido no Pinguim, jura? É a primeira pessoa que me diz isso.

Aquele lugar pra mim perdeu metade da graça quando contruiram um mega shopping na entrada da cidade, levaram um Pinguim pra lá e hoje não se vê mais no calçadão as mais belas representantes da California brasileira, ou aquela bosta, mesmo. Aquele abraço!

Rodrigo Barneschi disse...

Óia os modo, japonês... hahahahaha!

Caipirada de merda!

Bráulio Almeida disse...

Caro Cláudio,

Essa é apenas a segunda vez que me manifesto aqui. Na maioria das vezes, o silêncio é conseqüência da concordância com seus textos e com seu ponto de vista sobre o nosso Corinthians.

Dessa vez, porém, sou obrigado a discordar frontalmente de sua opinião. Em tempo, divido meu comentário em dois devido à limitação do número de caracteres.

Entendo que não há regras de arquibancada. Não há uma cartilha de como torcer.

Sim, concordo que xingar um jogador logo no início da partida é burrice. Desestabiliza o jogador e até mesmo o elenco. Condeno isso da mesma forma que condeno o apoio incondicional sem cobrança. Afinal, pra jogar no Corinthians tem que saber lidar com pressão.

O ponto chave de nossa discordância, nesse caso, é dizer que “a caipirada” não segue as regras de arquibancada. É achar que está errado aquele que urra ao ouvir o anúncio de cada um dos jogadores alvinegros. É achar absurdo o pobre senhor que se assusta com o palavrão direcionado à bandeirinha. É considerar dispensável o comentário ou opinião daquele que pensa e age diferente de como os Gaviões costumam agir.

Lá se vão mais de 20 anos que freqüento o Pacaembu. Pra ser mais preciso, quase 23 anos. E ao longo do tempo tive “fases no estádio”.

Na infância, quando levado por meu padrinho, que apesar de torcedor da Lusa me levava pra ver o meu Corinthians, costumava ficar próximo à Torcida da Curvinha, ali na verde. E lá me acostumei a assistir os jogos até os 16/17 anos, quando passei a ver os jogos junto aos Gaviões. Depois, por um problema sério na coluna, voltei para a arquibancada verde pra poder ver o jogo sentado. Não conseguia ver o jogo inteiro de pé. Passado esse problema, voltei pra amarela, quase na divisão com a laranja. É de lá que costumo torcer hoje em dia. A forma de torcer dos Gaviões é a que mais se parece com o “meu jeito de torcer”, mas nem por isso a considero a “forma correta” de fazê-lo.

Essas “andanças” pelo Pacaembu me ensinaram uma coisa: cada um torce a seu modo.

O Corinthians é tão meu quanto seu. É do nosso amigo Filipe, assim como do senhor que reclamou de seus modos e daquele gaiato que urrava a cada jogador anunciado.

Eu não sou mais Corinthiano do que nenhum dos acima citados. Nenhum deles é mais Corinthiano do que eu ou do que qualquer Gavião. E cada um ama o nosso Corinthians do seu jeito.

Talvez aquele gaiato que urra no estádio tenha apenas 2, talvez 3 oportunidades no ano de ver o Corinthians em campo. Imagina o êxtase do cara ao ver cada um dos alvinegros entrando em campo.

Bráulio Almeida disse...

Apesar de radicado em São Paulo desde pequeno, venho de uma pequena cidade de Minas que não tem mais do que 13 mil habitantes. Chego a me impressionar com a quantidade de Corinthianos que tem lá. São muitos, mas poucos tem a oportunidade de vir pra São Paulo pra ver o Coringão em campo. Lembro da alegria de alguns que mataram serviço para comprar ingresso quando o Timão foi jogar em Guaratinguetá (fica a cerca de 60km de lá). A euforia deles naquele dia era impressionante. Se não me engano, vencemos aquele jogo por 2x0, mas pra eles, parecia que estávamos no Pacaembu naquele 7x1 contra o Santos.

No estádio, os corneteiros me irritam. Não acho que criticar e xingar a todo e qualquer bola mal passada seja benéfico pro time, mas respeito.

Tenho amigos Corinthianos que são corneteiros ao extremo (com os quais não consigo ir junto aos jogos), e, ao mesmo tempo, tenho um amigo que torce “polianamente”. Pra ele, tudo está bom. Se tiver ruim, vai melhorar... Também irrita. Tem que ter pressão.

Mas, da mesma forma, também me irrita profundamente os torcedores que eu costumo chamar de “polícias do estádio”. Querem policiar a forma de torcer dos outros. Se alguém acompanha a massa ao gritar o nome de algum jogador que fez uma bela jogada, logo começam a dar ordens: “grita Corinthians, caralho!”.

Se outro grita gol antes da hora e a bola não entra, imediatamente é execrado como se tivesse sido o responsável pelo chute torto do atacante.

A forma como os Gaviões “definiram” como torcer não é a forma correta. E também não é errada. Mas ninguém é obrigado a torcer como os Gaviões. Gosto de assistir os jogos ali por causa do canto incessante, o forte apoio durante a partida. Ali, além de espantar o nervosismo, sinto que meu grito faz parte daquela força a mais que só a nossa torcida consegue passar para o time.

Mas, da mesma forma que os Gaviões foram imprescindíveis na história do Corinthians, do meu ponto de vista, tenho certeza de que por diversas vezes as condutas e postura dos Gaviões foram prejudiciais ao Clube.

Não são os Gaviões que definem a forma de torcer de cada um. Cada um ama e demonstra o seu amor ao Corinthians de uma forma. Todas são corretas. Todas são erradas.

A grande maioria dos brasileiros, e, via de conseqüência, dos Corinthianos, sequer tem condições cognitivas de compreender nada mais complexo do que as contas que deve fazer pra conseguir chegar até o dia 30 com dez reais no bolso, e olhe lá. Muitos não sabem do que acontece nos bastidores, da política interna do clube, da podridão que domina o futebol e nem mesmo da história de luta do nosso Corinthians pra chegar ao centenário.

Mas, amam o Sport Club Corinthians Paulista como eu, você, os Gaviões e todos os outros milhões de Corinthianos espalhados pelo mundo. E fazem como podem, como sabem, como conseguem.

E por isso, digo que não há regras para se torcer, desde que se torça para o Coringão.

Saudações Corinthianas.

Craudio disse...

Bráulio, quando me refiro às regras da arquibancada, trato do habitus de Bourdieu, conceito que trata das normas sociais absorvidas pelas pessoas. Como você mesmo disse, por toda a arquibancada há diversos tipos de torcedores, e eu nunca faço essa distinção de ser mais ou menos corinthianos.

No caso específico dos últimos jogos no interior, a grande maioria é uma massa silenciosa e estéril que vai ao estádio para ver Ronaldinho - e agora Roberto Carlos -, ainda que tais estrelas não estejam nem na cidade. O Corinthians é a última preocupação. E por que eu tenho tanta certeza disso? Porque esses caras, esses mesmos que falam um monte de bosta e que me policiam quando eu falo meus impropérios, são moldados pela opinião da imprensa suja.

Por não acompanharem o time cotidianamente, se deixam levar e reproduzem os discursos nocivos de Lance!, Falha de S.Paulo e Globo. E fazem ainda pior. Compram produtos piratas do clube, tratam o futebol como entretenimento e vaiam o time por conta de um resultado que não uma goleada massacrante, coisa tão tipicamente anticorinthiana.

Levo muito a sério aquela regra de olhar o lugar onde se pisa e não chegar chegando. Quer se portar tal qual um "torcedor comum", vá à numerada ou pague o PPV. A arquibancada tem sim suas regras e é por conta delas que não mataram de vez o futebol. E não fosse o policiamento e a imposição de condutas dos Gaviões da Fiel e das outras organizadas, a torcida corinthiana seria repleta de meros espectadores de teatro, assim como já acontece em muito lugar do mundo.

Finalmente, se você ler o texto referenciado neste post - sobre o Seu Venâncio - verá que meu problema não é com o torcedor do interior ou com quem não faz parte de organizadas. Eu só não consigo dissociar as condutas atuais dos caipiras com o processo de modernização do futebol.

Abraços!

Craudio disse...

E só para confirmar o que eu digo:

http://migre.me/hsEe

Isso é torcedor? É isso que a gente quer na arquibancada?

João Medeiros disse...

Pô japonês, perfeito. Exatamente isso: Perfeito.

Esses caras, e todo time grande tem torcedor assim, não merecem ser chamdos de torcedor. São consumidores. Engolem as idéias perniciosas vendidas pela imprensa imunda (Lance!, Globo, Folha...). A resistência ao futebol moderno está justamente no comportamento execrado das torcidas organizadas. (Não me refiro aos vândalos e bandidos nelas infiltrados). E arquibancada tem regra sim. E há uma casta de gente que deveria ser proibida de pisar no local mais sagrado de um campo de futebol: A arquibancada.

Estamos de volta.

E o carnaval? Vem mesmo ao Rio?

Bráulio Almeida disse...

Caro Cláudio,

Estou em férias na minha pequena e querida Itanhandu, no sul das Minas Gerais. Consegui me manter longe do computador por alguns dias mas hoje voltei e vim conferir sua resposta.

Como seguidor do blog que sou, sabia que alguma boa e embasada resposta viria.

Entendo o seu ponto de vista e confrontando o post sobre os padrinhos e mais a sua resposta, compreendo melhor o seu ponto de vista.

Tenho grandes diferenças pessoais com os Gaviões. Já quase briguei com nego querendo me patrulhar na forma de como torcer. Já quase apanhei por desestimular uma violência imbecil contra um casal de palmeirenses que voltava pra casa após um derby no morumbi. E, nos últimos anos, as notícias que ouço de amigos frequentadores da quadra me fazem cada vez mais desgostar da torcida.

Como disse, não tenho dúvida quanto à importância dos Gaviões para o Corinthians, mas talvez essas divergências tenham me feito ler seu texto de forma diversa daquela pretendida por você e do seu ponto de vista.

Também não concordo e sequer gosto da postura de meros consumidores e os tais simpatizantes que existem por aí.

Acho que nossos conceitos são mais próximos do que parece. É diferente o Corinthiano apaixonado e corneteiro daquele mero espectador que vaia o time quando uma goleada acachapante não vem.

Da última vez em que comentei aqui, questionei as formas pelas quais poderíamos afastar essa modernidade maléfica do futebol, e, principalmente, do nosso Corinthians.

Entendo que estamos vivendo uma fase de transição. Da mesma forma que houve a passagem do amadorismo para o profissionalismo em nosso futebol, agora estamos vendo o esporte bretão ser tratado apenas sob a ótica comercial.

E em toda transição ocorrem excessos. Surgem condutas e tendências que, aos poucos, vão sendo lapidadas e ajustadas.

Para gente como nós, isso incomoda, enoja e nos faz lutar contra, mas creio que é um movimento sem volta (pelo menos a curto prazo).

Os torcedores de ocasião, que creio sejam os alienados que tanto você como eu detestamos, passarão cada vez mais a fazer parte do cotidiano do Coringão.

O Corinthians precisará saber fazer uso desse tipo de torcedor e transformar essas condutas em algo que traga dividendos.

Enfim, acho que ao final, acabei desviando um pouco o foco da discussão anterior, mas é que falar do Corinthians é sempre um papo sem fim.

Abraço,

Bráulio Almeida