11 fevereiro 2009

Estado febril permanente


Há tempos devia esse texto sobre o livro "Febre de Bola", brilhante obra do não menos brilhante escritor britânico Nick Hornby. Autor de outro grande sucesso, "Alta Fidelidade", Hornby dedica 245 páginas para falar de suas experiências no estádio de Highbury e pela Europa afora, acompanhando os jogos de seu Arsenal entre os anos de 1968 a 1992. Apesar de baseado em relatos pessoais - muitas vezes permeados com detalhes íntimos -, o livro tem como principal qualidade conseguir representar um universo complexo a partir do indivíduo. Quem vai a estádios e é fanático por seu time se vê na pele de Hornby em muitas ocasiões, principalmente naquelas que nos renderiam uma execração pública pela opinião média e comum. Contrariando o óbvio, o autor mostra que a gente pode até ser ridículo, mas tudo isso faz sentido na nossa cabeça.

Já que falamos de relatos pessoais, faço um parêntese. Tenho a mania de marcar trechos que considero importantes nos livros que leio. Faço uma pequena dobra na orelha da página, tendo como critério o seguinte: se a passagem está na primeira metade da folha, a marca fica na parte superior. Se está na segunda metade, a marca fica no pé. Fato é que, fosse eu fazer esse tipo de coisa com "Febre de Bola", ele estaria todo deformado e praticamente impossível de manusear. Voltemos...

Ao longo desses mais de 20 anos de relatos e análises do que acontecia com o futebol inglês e seu time, Hornby ri de sua própria desgraça, sofre com as derrotas, imprime um teor épico imprescindível nas vitórias, conta como se comporta um torcedor assíduo durante seu envelhecimento e indigna-se com algumas atitudes imbecis, como as brigas e a incompetência de dirigentes e polícia no trato com o esporte. Dentro desse contexto, o autor descreve minuciosamente como a modernidade e a mercatilização invadiram o futebol na Inglaterra. É brilhante, porque tudo que está escrito corresponde ao processo em andamento aqui no Brasil. Parece até que há uma cartilha.

"Febre de Bola" também rende boas gargalhadas. Hornby estabelece, assim como todos nós, regras para seu convívio em sociedade. Não marquem casamentos, aniversários e até velórios em dia de jogo, porque ele não vai. A justificativa é que, se você foi insensível ao ponto de ignorar o calendário esportivo ao marcar tal evento, é porque não deseja a presença de quem marca seus compromissos respeitando as datas de jogos. Fantástico!

Deixo aqui, além da recomendação de leitura imediata, algumas das dobrinhas que fiz em "Febre de Bola", transcritas com muito prazer e sem nenhuma pressa.

"Os grandes clubes parecem ter se cansado das suas torcidas, e sob certo aspecto quem pode culpá-los? Jovens trabalhadores e homens de classe média baixa trazem consigo problemas complicados e ocasionalmente perturbadores; os diretores e presidentes podem argumentar que eles tiveram sua chance e a disperdiçaram, e que as famílias de classe média - o novo público-alvo - não só irão se comportar bem, como pagar muito mais para fazê-lo. Este argumento ignora questões básicas que envolvem responsabilidade, justiça e o papel que os clubes têm ou não a representar em suas comunidades. Mas mesmo sem essas questões, parece-me haver uma falha fatal nesse raciocínio. (...) e a atmosfera é um dos ingredientes cruciais da experiência futebolística. Essas torcidas imensas são tão vitais para os clubes quanto os jogadores, não só porque seus membros são eloqüentes no seu apoio, não só porque fornecem aos clubes grandes somas de dinheiro (embora esses fatores não deixem de ser importantes),
mas porque sem as torcidas ninguém se daria ao trabalho de ir ao jogo."

"De modo que onde está a relação entre torcedor e o espetáculo, se o torcedor tem uma relação tão problemática com os maiores momentos do jogo? Essa relação existe, mas está longe de ser simples e direta. O Tottenham, em geral considerado um time de futebol superior, não tem tantos torcedores quanto o Arsenal, por exemplo; e os times que têm reputação de futebol-espetáculo não atraem filas que dão a volta no quarteirão. O jeito com que nossos times jogam é irrelevante para a maioria de nós, da mesma forma que ganhar taças e campeonatos é irrelevante. Poucos de nós escolheram nossos clubes, eles foram simplesmente apresentados a nós;"

"Os clubes acabaram percebendo que havia muito dinheiro a ser ganho ali, e que as companhias de televisão teriam prazer em dá-lo a eles; a partir daí, o comportamento da Liga de Futebol se assemelhou ao da mítica moça de convento. A Liga deixa qualquer um fazer qualquer coisa que quiser - mudar a hora marcada do pontapé inicial, o dia do jogo, os times, as camisas, não importa; nada é problemático demais. Enquanto isso, os torcedores, os fregueses que pagam, são tratados como idiotas crédulos e cordatos. A data anunciada no ingresso é destituída de significado: se a ITV ou a BBC quiser transferir o compromisso para um horário mais conveniente, irá fazê-lo."

Esses são alguns aperitivos de "Febre de Bola", livro que já virou dois longa-metragens (um deles cometeu a heresia de transpor a história para um casal que gosta de beisebol) e que se propõe a, senão explicar, pelo menos mostrar o porquê dessa nossa obssessão pelo futebol e, principalmente, por nossos clubes de coração.

4 comentários:

Bruno Ferraz (sOUL) disse...

Muito bom o post hein Claudio.
O livro deve ser fabuloso, cara.

um abraço

Filipe disse...

Me empresta esse livro, Japonês. Em uma tarde te devolvo, serião.

O título do post é perfeito. Mas acho que se tivesse um termo que indicasse algo como uma crescente constância... qual poderia ser? Afinal, impossível diminuir, só cresce, não lhe parece?

Rodrigo Barneschi disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Rodrigo Barneschi disse...

Japonês,

Te digo uma coisa apenas: o meu exemplar está grifado do início ao fim. É raro encontrar mais de duas páginas na seqüência sem alguma anotação ou destaque.

É genial.

Abraços