15 julho 2009
Febre Alvinegra
Corinthians 1 x 0 Flamengo - 03/10/1993
Pacaembu - São Paulo
Depois inúmeras idas ao Pacaembu no primeiro semestre, fui sumariamente proibido pelos meus pais de ver o Corinthians. Não por medo de brigas ou por causa de gastos excessivos - o ingresso ainda tinha preços populares em 93 -, mas porque eu havia tirado notas baixíssimas na escola. Estava na sexta série, achava aquilo tudo um saco, gostava só de História e Português e queria mesmo era jogar bola e video-game e ver meu time no Templo Sagrado. Foram longos e tristes meses de negociações, que incluíram minha submissão a aulas de recuperação, até voltar a freqüentar o cimento das arquibancadas, numa chuvosa tarde de domingo.
O Bôia não esteve nesse jogo. Não me lembro o motivo, mas dessa feita fomos eu, meu outro primo Jaga, meu meio-irmão Migué e um ex-cunhado do Jaga, cujo nome eu não me lembro mas tinha o apelido de Tichan (lê-se tí-xan, uma analogia, talvez, ao "tchans" do Tião Macalé). Sem Bôia e seu Pointer, embarcamos na Brasília creme do Tichan e partimos logo depois do almoço. O tempo estava meio fechado, com nuvens carregadas e ameaçando um temporal que de fato caiu durante toda a hora que antecipou a partida e parou assim que o juiz assoprou o apito.
O Coringão, que havia perdido a final do Paulistão para o rival, embalava no Brasileirão por conta das boas atuações de Rivaldo e Válber, protagonistas do famoso carrossel caipira do Mogi-Mirim. No banco de reservas estava Mário Sérgio, cuja única jogada preparada era a bicuda de Ronaldo a partir da grande área e um pega-pra-capar dali em diante. Mesmo nessa toada, perdemos apenas um jogo no campeonato inteiro, justamente o que não podíamos, mas sobre esse assunto falaremos em outro post. O grande acontecimento da ocasião foi o reencontro de Casagrande com a Fiel Torcida, e duvido que alguém não tenha saído de casa pensando nisso. O problema é que nosso centroavante estava vestindo a camisa adversária...
Por conta disso, Casão esperava escutar vaias e os piores xingamentos, sabedor de como a Nação sempre responde quando se considera enganada ou desdenhada. Toda sua preparação psicológica nos vestiários fora baseada nisso. Só que Casagrande esqueceu, talvez por conta de sua longa estada na Europa e também por respeito, que a torcida sabe reconhecer instintivamente qualquer traço de corinthianismo. Qual não foi a surpresa do atacante ao entrar em campo e ser ovacionado por um Pacaembu abarrotado de gente com o grito "Volta Casão, seu lugar é no Timão"? Troço inesquecível, que me arrepia e me enche os olhos de lágrimas até hoje.
Jogamos muito nesse 03 de outubro, mas a bola não entrava. Vínhamos com Ronaldo, Luís Carlos Winck, Henrique, Marcelo, Leandro Silva, Ezequiel, Zé da Fiel, Simão, Válber, Rivaldo e Viola, esquadrão que não conseguia furar a retranca flamenguista e vazar a meta de um inspirado Gilmar. Depois de tanto insistir, veio a recompensa no segundo tempo. Válber cobrou uma falta na lateral esquerda e Rivaldo desviou de cabeça. Quando nos preparávamos para lamentar mais um gol perdido, o destino deu as caras: o próprio Casagrande tratou de colocar a redonda no barbante, detalhe que alguns corinthianos como eu tiveram o prazer de ver ali mesmo das arquibancadas, pois estávamos alinhados à marca do pênalti do gol do Tobogã.
Tivesse sido mais explícita, essa pitada de ironia na corinthianíssima vitória mereceria comemoração semelhante às que acontecem na conquista de um título. Sem levar em conta que é praxe a Fiel ganhar o jogo para o Corinthians nessas corinthianíssimas vitórias, foi obra dos Deuses da Bola Casão ter dado, voluntária ou involuntariamente, o toque final na gorduchinha antes dela balançar as redes, justo no dia em que recebeu uma das mais belas homenagens já vistas no futebol brasileiro.
*P.S.: reitero o convite e deixo meu e-mail (cramone99@gmail.com) para aqueles que quiserem ter aqui sua história publicada, assim como convoco os blogueiros alvinegros que quiserem colaborar com a série de memórias.
Assinar:
Postar comentários (Atom)
2 comentários:
http://www.coringoogle.com.br/
muito bom!!!
Abs
Pitelli
Bonito esse texto, cara! Eu também me lembro desse jogo com saudade, da atmosfera do Pacaembu, quando sua arquibancada era toda cinzenta e não havia grades desde onde hoje é a verde até o Tobogã. Quem chegasse primeiro comprava ingresso na hora, escolhia onde quisesse ver e assistia junto de 45.000 pessoas. Só os Gaviões colocavam uns 15.000 fácil, e eu e meus irmãos costumávamos contar quantas bandeiras os caras tremulavam, no mastro de bambu. Pesadas pra cacete, e nos dias de chuva, um perigo por causa das chicotadas que as pontas davam nas orelhas desavisadas. A Fiel também cantou "Doutor, eu não me engano, o Casagrande é corinthiano!" O gol seria do Rivaldo, mas bateu um pouco abaixo da barriga do Casão (digamos que foi um gol "de cabeça") e entrou. O Pacaembu fervia! Foi inesquecível! Uma tarde corinthiana até o osso. Daquelas em que a gente sabe que vai vencer, só não sabe como. Perfeita. Parabéns pela lembrança. Há um convite para que se envie textos sobre jogos, vou mandar um pra você, se puder. Abraço.
Postar um comentário