11 maio 2009

A volta das Carmelas


Dia desses, minha irmã me mandou um vídeo em que cantavam Adoniran Barbosa e Elis Regina. Coisa bem produzida que, apesar de detalhes meio forçados, cumprem sua função de registrar na eternidade um momento com informações preciosas de tempo e espaço. O tempo era a década de 70 e o espaço era um Bixiga já em fase de degradação imobiliária. Mais especificamente, o encontro entre dois grandes nomes de nossa música se deu numa birosca chamada Bar da Carmela.


Chamo atenção para alguns detalhes, como o vidro de conservas, as ampolas de Antarctica sobre a mesa e a geladeira da Kibon onde os percussionistas se apóiam. Ou então a comilança que precedeu as músicas, adornada com quitutes de gigantesca qualidade. Ou ainda o passeio pelas malocas que Adoniran tão bem descreveu em seus causos cantados, e cuja beleza só os emotivos conseguem detectar.

Por conta dessa emoção, a escolha do Bar da Carmela foi estratégica. Durante anos, locais como esse serviam de ponto de encontro para muita gente de responsa. Bêbados misturavam-se a crianças, donas de casa e trabalhadores em fim de expediente, todos eles contando seu dia-a-dia. Era o povo fazendo sua história, em templos que se tornariam espécie em extinção.


O relógio rodou, a modernidade emplacou de forma nociva e as tranqueiras como o Bar da Carmela sofreram uma campanha de difamação tremenda. Ficou difícil encontrar pelos bairros aquela portinha de ferro que, invariavelmente, oferecia aos clientes cerveja sempre gelada, preços justos e alguma comida especial.
Apareceu o conceito "buteco chique", mas se é buteco, não pode ser chique. Se é chique, não pode ser buteco. Analogicamente, se é Corinthians, não pode ser parmera, capice?

Superando essas vicissitudes,
alguns heróis da resistência, algumas Carmelas, ficaram para servir de exemplo num momento em que se evidencia mudança nos ventos, ainda que tímida. Aquele ímpeto modernizador dos estabelecimentos que ofereciam tudo no atacado se enfraqueceu. Hoje, já podemos ver Blockbuster fechando (a do Pacaembu já era) e loja de McDonald's indo à falência (quebrou uma na saída da USP). Em contraposição, aqui perto de casa uns gaiatos se arriscam a receber os bebuns, adaptando a garagem de suas casas.

A virada de jogo pode ser atribuída a dois fatores. De um lado, a estabilidade econômica e os incentivos do governo Lula possibilitaram novas investidas da classe trabalhadora no comércio. De outro, a sanha proibitória do elitista governo demo-tucano em SP determinou: quem tem como bancar propina ou cumprir as absurdas exigências da prefeitura se manteve naqueles núcleos de outrora boemia; quem não possuía tal bala na agulha, bateu em retirada e agora procura os bairros como novo público.


É preciso acreditar em novas jornadas. A administração municipal antipopular deu um notável tiro no pé e isso prenuncia melhorias no decorrer do período. Porque é ali no balcão que nossa gente conversa e se informa - e não na TV ou no jornal da ditabranda. Saber o nome do garçom amigo, ter seu pedido na ponta da língua do Mané e não pegar fila para sentar-se à mesa na calçada e ler o jornal causam, de novo, satisfação. Com as Carmelas voltando e tagarelando, quem sabe as Cavalcanti Penteado parem de ditar as regras?

P.S.: o Bar da Carmela ficava na Rua Almirante Marques de Leão. Não sei se ainda existe e, se alguém souber, peço que divulgue. É um lugar que valeria a visita.

Um comentário:

Bruno Ferraz (sOUL) disse...

é o esquema mesmo, aqui no Jd. Rosana, tem um boteco, do pai de um camarada ja assisti algumas vezes jogos do Coringão lá, as vezes ficamos la na porta, sentados tomanado uma breja ou uma tubaina, comendo uma sardinha, ouvindo um samaba ao vivo ou jogando uma sinuca..

Melhor lugar não tem, se é do povo é nóis..

abraço