24 setembro 2008

Tributo ao bêbado


Um ator interpretou há pouco tempo um bêbado na novela das oito. O cara encarnou tão bem o papel que, mesmo fazendo outras participações brilhantes na TV, para sempre será lembrado como o bebum da novela. A mesma coisa aconteceu com a atriz Vera Holtz, a inesquecível professora Santana, ou Renata Sorrah, que encarnou Heleninha Roitmann. Duas grandes atrizes e de variadas facetas. No entanto, mostre uma foto delas para o povo nas ruas e pergunte quais os primeiros nomes que vêm à cabeça.

Esses personagens espocam desavergonhados porque, além de sua comicidade, demonstraram em cena algumas características singulares aos bêbados. Muitos já representaram o álcool e seus efeitos nas artes cênicas, porém poucos conseguiram encarnar a essência.

Dito isso, é preciso explicar que, grosso modo, há três modalidades de bebedores. Temos o alcoólatra, cujo único objetivo é saciar a fome química que o vício obriga. Seu comportamento, na maioria das vezes, é incômodo e até violento. Não consegue viver em sociedade e tende ao isolamento. O outro é o otário, que bebe para justificar um comportamento imbecil e inconseqüente, como matar alguém, ou então para se sentir aceito pelos amigos - e isso denota uma fraqueza de caráter gigantesca. Não tem prazer na bebida, apenas gosta de segurar o copo ou deixar a cerveja esquentando na mesa. Por fim, temos o bêbado.

Ser bêbado é um estado de espírito, e a bebida é o meio de transporte para atingir esse status. O bêbado tem amigos, muitos amigos. Aliás, se tem algo potencializado no bêbado é a fraternidade. São comuns as juras de amor entre marmanjos de butiquins. O bêbado é alegre, bebe para reverter uma ordem e uma realidade que, na maioria das vezes, é repressora e depressiva. Ele vive dentro de um processo de carnavalização constante, mantendo o afã dionisíaco em dia.

Não há barreiras sociais para o bêbado de verdade. Suas intransigências são facilmente contornadas com mais uma gelada colocada no balcão. Aliás, é gelada atrás de gelada. Mas essa quantidade oceânica de bebida não o torna inconveniente. Pelo contrário, apesar da leve alteração, o bêbado sabe exatamente o que está fazendo, mesmo que no dia seguinte a memória venha a falhar.

O bêbado de direito e de fato não chora à toa; tem justíssimas causas, geralmente de benefício universal, porque é solidário ao extremo. O bêbado não xinga à toa, não comete injustiças à toa, não pede a vigésima saideira à toa. E o melhor: quando ele se cansa, ele apenas dorme. Dorme profundamente, sempre esperando a ajuda de alguém menos bêbado que ele (a fraternidade, para um bêbado, é recíproca e ele de fato conta com isso) para pagar a despesa, colocá-lo num táxi ou ajudá-lo na caminhada até em casa e na árdua tarefa de enfiar a chave na fechadura.

Quando ele acorda no dia seguinte e vai trabalhar com aquele gosto de bucha usada na boca, lembra-se da sensação de liberdade, do seu dia de rei, e de tudo que seus irmãos de copo e as paredes do bar ensinaram na noite passada. Aí, o bêbado disfarça a ressaca, volta-se para as obrigações banais daquele mundo vil e espera, calmamente, o fim do expediente para recomeçar seu eterno Carnaval, do qual o bêbado se orgulha profundamente.


3 comentários:

Rodrigo Barneschi disse...

Um brinde ao Puppy...

Craudio disse...

Salve Toninho e Araújo!

Filipe disse...

Belíssimo tributo!

Eu, particularmente, gosto de voltar a pé. Nada mais reconfortante que ziguezaguear pelas ruas de Piratininga, para liberar espaço para mais uns goles... Afinal, a saidera é eterna...