23 julho 2009

Choque de ordem


O Carnaval, basicamente, é o período do ano para funcionarmos sem regras. Isso não significa sair matando ou roubando os outros, mas nesses cinco dias nos desprendemos totalmente das barreiras que a convivência social impõe. A espontaneidade é a única lei e possibilita, por exemplo, o nascimento de um bloco de rua a partir de um butiquim lotado de bêbados que, armados de pratos, colheres e bacias, começam a cantar marchinhas e sambas memoráveis.

Quem nasceu ou vive em São Paulo chega a estranhar tal comportamento, mas no Rio de Janeiro isso é totalmente plausível. O carioca tem o Carnaval embutido em seu caráter, ao contrário do paulistano, um insistente cumpridor
do horário do batente em plena sexta-feira pré-folia. Por conta dessa peculiaridade tão salutar, centenas de blocos e milhões de pessoas invadem a Cidade Maravilhosa antes, durante e depois da farra momesca.

"Centenas de blocos, milhões de pessoas", pensam os porcos capitalistas, "é faturamento alto". E aí começam a inventar um monte de artimanhas para tornar mais moderno, mais engenhoso e mais civilizado um acontecimento que deveria sofrer o mínimo de intervenção institucional, seja ela privada ou pública. Só que a canalha prefeitura do Rio resolveu entrar na onda e regulamentou do Carnaval de rua a partir de 2010. Oficializou o pensamento europeizado de uma corja no decreto municipal de nº 30659, publicado em 8 de maio último. Veja o que determinam alguns artigos:

Art. 2º As autorizações para a realização dos desfiles de blocos, bandas e ensaios de escolas de samba competem à SETUR/RIOTUR, condicionadas ao parecer da CET RIO e ao Nada a Opor das Coordenadorias das Áreas de Planejamento (Subprefeituras).

Art. 4º Em caso de necessidade de reforço de pessoal para a orientação e controle do trânsito, caberá ao organizador a complementação desta equipe, sob a orientação da CET RIO.

Art. 5º Havendo necessidade de colocação de faixas indicativas sobre interdições de logradouros, visando à orientação dos moradores, as mesmas serão de responsabilidade do organizador, sob a orientação da CET RIO.

Art. 7º Os representantes das bandas e blocos carnavalescos deverão entrar com os pedidos de autorização na SETUR/RIOTUR até o dia 30 de agosto do ano anterior à realização do desfile (...)

Art. 15 O não cumprimento das normas por parte das bandas e blocos carnavalescos implicará no indeferimento do pedido para o carnaval do ano subsequente.

Alguns comentários. Você ser autorizado ou não a fazer Carnaval é o fim da picada. A ação prejudica a massa de foliões e só favorece aquela meia dúzia de gente mau-humorada e cinzenta que insiste em levar sua vidinha cotidiana no período da folia. Fora isso, o prefeito Eduardo Paes, aquele que sugeriu uma "surra" no Presidente da República, repassa responsabilidades suas aos (financeiramente) combalidos blocos. Pior ainda, não prevê no decreto nenhum investimento na infraestrutura de um evento cuja rentabilidade aos cofres da administração municipal é significativa.

Estou curioso para ver o que vai acontecer caso os blocos mais tradicionais (como o Bola Preta e o Cordão do Boitatá) não cumpram a determinação e passem a ser enquadrados no artigo 15. Apelo aos amigos com muito mais conhecimento no riscado - como o Szegeri, o Favela, o povo todo lá do Rio, FH Borgonovi e Júlio Vellozo - para que deixem suas considerações acerca dessa aberração.

5 comentários:

Blog do Meu Saco disse...

Se pegar, acabou o carnaval carioca - formalmente, porque materialmente já havia virado negócio e de sua sobrevida à guerra de guerrilhas dos blocos. A imagem foi péssima, mas foi o que deu pra fazer agora.

Blog do Meu Saco disse...

deve sua sobrevida.

Craudio disse...

Então, eu acho que isso é mais para alimentar essa guerrilha. Mas o Bola, por exemplo, sai há 90 anos aos trancos e barrancos. Pra mim, tão querendo transformar o Carnaval carioca numa nova Salvador. O negócio estava mais focado na Sapucaí, mas agora viraram os olhos para a rua também. Infelizmente.

Rodrigo Barneschi disse...

Tá feia a coisa no Rio, meu caro. Eu acompanhei toda essa história do Choque de Ordem do Bethlem e todas as restrições ao consumo de bebidas alcoólicas. Tive que fazer um dossiê do figura por causa do trabalho e a coisa é bem preocupante.

Craudio disse...

Quer dizer que querem cercear até a bebida??? Como diria o outro, pelas barbas do profeta.