28 janeiro 2009

A época em que o ruim era bom


A nostalgia é um sentimento perigoso. Quando pensamos no passado, e ele não precisa nem ser muito longínquo, geralmente lembramos só das coisas boas. É aí que ela bate forte. Talvez isso explique minha empolgação demasiada na madrugada de ontem, quando procurava no Soulseek algumas músicas de axé mais antigas.

É preciso dizer, porém, que eu sempre abominei esse ritmo. Odeio Cláudia Leitte, Ivete Sangalo, Chiclete com Banana e todas essas merdas que dominam as micaretas. Mas devemos reconhecer que houve no axé um tempo de alguma dignidade e certa qualidade. Se não podemos equipará-lo ao bom e velho samba - até porque isso seria uma heresia -, também não dá para jogá-lo no lixo sem separar o joio do trigo.

Coincidentemente, tais músicas marcam o início da minha adolescência, época em que o ódio a elas era ainda mais extremo. Mas sabe como é: quando se está em festividades de carnaval em que o público-alvo são jovens, infelizmente o que faz sucesso nas rádios é o que tem mais espaço. Por isso, em meio às boas e velhas marchinhas tocadas timidamente, havia muito Araketu, Netinho e sua Banda Beijo, o começo do Asa de Águia, Olodum e a Margareth Menezes.

A associação é imediata. Carnaval é bom e tudo que faz lembrar o Carnaval também é bom. É óbvio que não podemos ser literais a ponto de achar que, em algum momento da humanidade, alguém vai encontrar qualidade naquela merda de funk carioca. O axé, por sua vez, possui (ou possuía) ritmo, harmonia, certa tradição e, inegavelmente, bons cantores. Fora isso, não podemos esquecer do sucateamento artístico sofrido pela folia soteropolitana, resultado da mercantilização excessiva do evento.

Impressionei-me, na busca de ontem, com algumas letras e as sensações que elas ressuscitaram. A música "Baianidade Nagô", por exemplo, retrata perfeitamente aquela quase ressaca do fim de tarde e retomada dos trabalhos etílicos noturnos, com os versos "eu vou/atrás do trio elétrico vou/dançar ao negro toque do agogô/curtindo minha baianidade nagô". Outras que me levam de volta aos anos de punheta compulsiva são "I miss her" (Oludum) - "Oh Lord/I'd like to know where she is now/If she thinks about me or not/I wanna give her all my love/My life, my heart/And please her" - e "Araketu Bom Demais" - "Só sei que o corpo estremece/As pernas desobedecem/Inconscientemente a gente dança".

Essas e mais uma penca de músicas feitas até a primeira metade da década de 90 seguiam à risca aquela mistura de batida do samba com ritmos latinos, guitarras distorcidas e percussão pesada, características básicas do som maluco nos primeiros trios de Dodô e Osmar. Eram produções de tino comercial gritante, claro. Mas havia qualidade. O ruim, ainda assim, era melhor que o ruim de hoje. No limite, se uma porcaria de uma canção consegue ser lembrada quase 20 anos depois porque trouxe de volta um sentimento ou uma sensação, vale ao menos o registro. Ou alguém aí se teve alguma história marcante ao som de "Benzectacil", do MC Serginho?

* texto inspirado pelas inúmeras tentativas de assistir ao filme Ó Paí Ó, que ando achando menos ruim e cuja trilha sonora segue a mesma linha desse post...


3 comentários:

Rodrigo Barneschi disse...

Japonês,

Você está se saindo mais saudosista que eu...

Craudio disse...

É um sintoma grave de nossa velhice iminente.

Unknown disse...

prefiro continuar com as marchinhas