14 janeiro 2009

Estatuto de qual torcedor?


Sancionado em 2003 pelo Governo Federal, o Estatuto do Torcedor foi criado para defender os direitos dos freqüentadores de estádio. Partindo do pressuposto de que o torcedor é um cliente, regras foram estabelecidas e normas foram criadas para, supostamente, dar jurisprudência a uma série de medidas contra clubes e federações, com extensão a seus respectivos dirigentes. Seis anos depois, o troço ganha agora uma reformulação que pretende ampliar seu viés restritivo. Em nenhum momento, porém, são levadas em conta as necessidades daqueles que não enxergam sua ida ao jogo como um passeio ou um produto, mas sim como uma prazeirosa obrigação moral.

Apesar das regras rígidas na teoria, a prática mostra que federações, clubes e até quem realmente manda no futebol brasileiro - ou seja, a Globo - não cumprem tal estatuto. Quer dizer, não cumprem a sua essência, que é o respeito ao dito "cliente". Horários esdrúxulos, ingressos a preços surreais, manutenção dos esquemas que beneficiam cambistas, entre outros, são práticas ainda muito comuns. Além disso, há o detalhe precioso, para não dizer pernicioso: o documento considera que a violência nos estádios está exclusivamente vinculada às torcidas organizadas.

A reformulação, ao menos, tem um ponto positivo no que tange aos cambistas. Está prevista a prisão para quem negociar ingressos acima do preço de tabela. Também é possível citar a penalização para manipulação de resultados como ganho a ser comemorado. Agora, vamos aos absurdos.

As organizadas serão responsabilizadas pelos atos criminosos de seus associados, e aí a gente volta para aquele erro de premissa organizadas=violência. Como uma organização social de massa pode ser condenada por um ato ilícito de um de seus membros? Parte-se de uma generalização preconceituosa cujo significado é o mesmo que dizer que o MST só tem vagabundo, comunista come criancinha, preto é tudo ladrão e mulher só serve para cuidar da casa. Que as torcidas respondam por invasões de campo ou brigas nas arquibancadas tudo bem. Porém, não dá para repassar a gerência da segurança pública em dias de jogo para as organizadas. Isso é função da polícia.

O pior, no entanto, vem agora: teremos bafômetros nos portões, e aqueles que tenham ingerido bebidas alcoólicas em excesso poderão ser impedidos de entrar. Qual é o critério? Por que, novamente, se quer criminalizar a cerveja? Não há provas concretas de uma relação direta entre ficar bêbado e partir para a porrada. E qual seria a constitucionalidade dessa medida?

Ao invés de valorizar essa tendência proibitiva, o governo deveria ir para cima de quem realmente prejudica o futebol. Não permitam que os jogos tenham início depois das 21h. Montem sindicâncias contra esquemas de cambistas, lavagem de dinheiro e enriquecimento ilícito. Criem mecanismos protecionistas para evitar a venda precoce de atletas ao exterior. E, antes de fazerem qualquer estatuto, promovam uma audiência pública a fim de escutar a opinião do verdadeiro torcedor. Aquele que, faça chuva ou faça sol, bate seu cartão e paga caro para ver seu time de coração.

3 comentários:

Seo Cruz disse...

Mais um puzta texto, meu amigo, grande análise!

Agora, esse lance do bafometro nao vai rolar, é totalmente ilegal.

Filipe disse...

A premissa organizadas=violência é erradíssima, sobretudo por dois aspectos históricos.
O futebol é um jogo que simula um combate, como uma guerra. De outra forma, porém similar, estão relacionados jogos como o Xadrez. Há o elemento da violência, ainda que restrita aos movimentos do jogo.
Antes mesmo de existirem ultras, organizadas, ou mesmo os Galos de Briga da Várzea, o futebol já era "violento" - enfim, é da ontologia do futebol a violência restrita. Este é o primeiro aspecto. Decorrente dele, e dentro de campo, a coisa é igualzinha. Vide Morais no jogo contra aqueles manés sebentos da Ilha.
Outro aspecto, relacionado inteiramente às organizadas - como as conhecemos, não como ouvimos falar delas - é que nasceram para a Festa e pra reivindicação. Sendo assim, na gênese da coisa já há a não-violência por princípio.
Muita coisa aconteceu não apenas às organizadas, mas à nossa sociedade, e principalmente à nossa humanidade.
Portanto a premissa é, além de falácia, inconseqüente.

Quando foi a última vez que arrumamos uma briga, Japonês?...

Até porque não é apenas o câncer deste país que fode o futebol.
Fui comprar ingresso para o amistoso de sábado, e para uma fila de mais de cem pessoas às 11h20 da manhã (sim, sacrifiquei a hora de almoço e fiquei além do meu horário normal para "comprar" essa atitude de "louco") havia apenas um guichê. Saí de lá 12h20.
Não apenas a ingresso "fácil" deixa apenas uma moça para cumprir tal tarefa, como não organiza fila.

E pasme você.
Se não são os torcedores organizados para aplicar correção a essa injustíssima baderna, essa merda de "código do consumidor" que essa "empresa" pratica iria pras cucuias...

Enquanto a Arquibancada estiver sóbria, o camarote estará bem louco de tudo.
E daí é que sairá a correção dessa premissa tosca, A PARTIR da Arquibancada...
"Os Gaviões nasceram pra poder reivindicar os direitos da Fiel que paga ingresso sem parar"
Aliás, há tempos não ouço esse breque.

Rodrigo Barneschi disse...

É foda, muito foda...

Vou arrumar um tempo hoje pra fazer o devido comentário lá no Forza.